A doença jamais nos impediu de sonhar e buscar…

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E quando o amor começa com a possibilidade da partida? E quando o amor acontece por sete anos, acompanhado da doença, mas imenso e intenso? O relato, lindo, da Priscila, fala sobre isso, sobre o amor que não teme o que está por acontecero amor que se nutre do que está vivendo, do hoje, o amor que aproveita os minutos e segundos da vida do outro. Porque o Amor fica, sempre, “lá no céu, um dia tudo se encaixa.” A Priscila criou um grupo, com três amigas, que viveram essas travessias, @sobrevivendoao_luto. 

(Autoria: Priscila Pegoraro)

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Logo no nosso segundo encontro, ele me contou que estava em tratamento de câncer há três anos e que estava me dizendo para que eu tivesse a chance de decidir se eu queria ou não continuar nosso “romancinho”.

“Eu me chamo Priscila Pegoraro, conheci o Ronaldo, o amor da minha vida, em fevereiro de 2012, em uma festa! Em março do mesmo ano, engatamos num namorinho que só foi oficializado em 28/04. Conheci esse jovem lindo, brincalhão, aparentemente saudável e adorável e não foi difícil me encantar por ele. Logo no nosso segundo encontro, ele me contou que estava em tratamento de câncer há três anos e que estava me dizendo para que eu tivesse a chance de decidir se eu queria ou não continuar nosso “romancinho”. Confesso que a Paula, a amiga que nos apresentou na festa, tinha me falado que ele estava com câncer e que estava numa fase difícil da doença, eu, na verdade, não acreditei muito, devido ao fato de meus olhos verem uma pessoa extremamente cheia de vida.

Ronaldo exalava vida, exalava alegria, como assim, câncer terminal? Pois bem, não preciso nem dizer né? Ele era apaixonante e eu me perdi de amor por ele e, desde que o vi, eu senti que era ele, nunca havia sentido aquilo antes, foi diferente! Não demorou muito, eu o acompanhei em uma de suas consultas e, realmente, pude ver que ele fazia tratamento no hospital São Judas, em Barretos – SP. Pude, de fato, conferir com meus próprios olhos estava em cuidados paliativos mas, nada disso mudou minha vontade de tê-lo bem pertinho de mim e fazer tudo o que estava ao meu alcance para dar a ele uma qualidade de vida extraordinária. E foi assim que demos inicio à nossa história de amor, dor, quimioterapias, exames cotidianos, contagem dos marcadores tumorais, estágios do câncer, procedimentos, ansiedade mas, acima de tudo, de muito amor e confiança no poder de Deus.

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“Eu costumo dizer, que vivemos em sete anos o que muitos não vivem em uma vida. Meu amor sempre teve muita vontade de viver, ele não permitiu se abater por um diagnóstico insano que, sem dúvida, pararia a vida de qualquer um.”

Nos casamos em 08/12/2013, nos casamos exatamente da forma que sempre sonhamos. Ele era o príncipe do meu conto de fadas. Preciso contar que essa doença jamais nos impediu de sonhar e de buscar tudo o que desejávamos. Fizemos várias viagens para outros estados, vivemos momentos extremamente felizes e aproveitamos a finitude da vida de forma intensa. Eu costumo dizer, que vivemos em sete anos o que muitos não vivem em uma vida. Meu amor sempre teve muita vontade de viver, ele não permitiu se abater por um diagnóstico insano que, sem dúvida, pararia a vida de qualquer um. Mas não a dele!

No nosso segundo encontro, ele me disse uma frase que nunca me esqueci: “eu morro de qualquer coisa, menos de câncer”. Sabe porque? Ele tratava o câncer como se fosse uma gripe, e quem olhava pra ele não via uma pessoa doente. Incrivelmente, ele aparentava ter a saúde intacta, e foi assim até 15 dias antes de sua morte, exceto quando houve a necessidade de fazer quimioterapia. Nesse período de 7 anos, eu fui algumas vezes com ele, para ser medicado para controlar as dores que apareciam do nada.

Em dezembro de 2016 ele precisou iniciar um ciclo de quimioterapia, bem forte, para diminuir os marcadores tumorais que, inexplicavelmente, pularam de 600 para 12.000. Iniciamos a quimio e, junto com ela, vieram as náuseas, os vômitos, a falta de apetite, uma fraqueza desmedida, a palidez e uma preocupação gigantesca, vieram também, de forma mais intensa, as orações pedindo a Deus mais tempo com o meu amor.

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“E no dia 27/03, às 23 horas, ele partiu e, junto com ele, foi boa parte de mim, costumo dizer que minha melhor metade se foi, e a partir daí eu luto para reaprender a viver.”

Em fevereiro as quimios tiveram que ser interrompidas pois o “teratoma”, um dos tumores, havia crescido de forma desproporcional. Junto com esse diagnóstico veio a triste notícia de que meu amor poderia partir a qualquer momento, de morte súbita, pois o teratoma estava localizado no mediastino e no meio dele estavam as veias aorta e cava, que poderiam se romper a qualquer momento, talvez na hora do sono, como foi informado pelo médico.

Eu confesso que não consegui mais ter uma noite de sono reparador e tranquilo, eu tinha cochilos e logo acordava assustada, olhava pra ele para ver se estava respirando mas, milagrosamente, em 04/2017 ele estava super bem, trabalhando e vivendo novamente como se não tivesse nenhuma doença. Nossas idas pra Barretos passaram a ser somente nas consultas e, inacreditavelmente, ele não tinha mais episódios de dores.

E assim foi, até dezembro de 2018, quando o sonho de se tornar um policial militar foi interrompido, justamente por causa do câncer. A partir daí as dores começaram a se fazer mais frequentes, mas ainda assim, ele tocava a vida como antes. Tenho que confessar, ele tinha muitos sonhos e vivia intensamente à busca-los, e ele alcançou quase todos, exceto o de se tornar um Policial Militar, esse sonho o movia.

Dia 08/02/2019, partimos para nossa última viagem juntos, nossa última visita ao mar, onde ele amava estar. Deus nos permitiu uma linda despedida, fomos pra Porto Seguro, e desfrutamos por uma semana a doce companhia um do outro. Ao retornarmos, as dores começaram a ser mais intensas e no dia 19/03 ele precisou ser internado para controle da dor. Passei nove dias grudada nele, ele não queria outra companhia a não ser a minha. E eu fiquei firme ao seu lado mas, dia a dia, via e sentia meu amor partir. Pude orar, cantar, abençoar e dizer o quanto o amava e como ele era importante pra mim.

Três dias antes dele partir, eu estava terminando de dar banho nele e ele já com a voz fraca e falha, me agradeceu por tudo o que eu fazia por ele e cantou a música: “como um anjo você apareceu na minha vida, como um anjo…”. Eu, com lágrima nos olhos, disse que eu tinha certeza que ele faria o mesmo por mim. E no dia 27/03, às 23 horas, ele partiu e, junto com ele, foi boa parte de mim, costumo dizer que minha melhor metade se foi, e a partir daí eu luto para reaprender a viver.

Comecei engatinhando e, ainda hoje, busco me reinventar, na confiança de que Deus sabe de todas as coisas. O luto pelo amor da minha vida foi intenso e sofrido até completar cinco meses, período em que eu vivia no automático e buscava diariamente forças em Deus para não “surtar”, essa dor é surreal e impossível de ser explicada em palavras. Depois, meu coração foi acalmando mas, ainda hoje, tenho dias de dores, onde penso que quando está nublado por dentro preciso me deixar chover, pra poder clarear. As lágrimas e as lembranças sempre vêm, com o tempo sinto estar ficando inteira novamente, mas tenho a plena convicção de que nunca mais serei a mesma.

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“Vencemos juntos por sete anos e eu creio que eu fui o bálsamo que Deus deu a ele para viver de forma intensa e bela os seus últimos anos de vida. Vivemos juntos o inacreditável e frustramos o óbvio. Eu sou feliz, porque tive o privilégio de amar e ser amada! “

Através da minha dor eu descobri um lindo propósito, ajudar outras viúvas que estejam vivendo essa dor tão aguda e latente do luto. Com quatro meses de luto, eu e mais três amigas viúvas, que também perderam seus amores para o câncer, decidimos criar um grupo de suporte à pessoas enlutadas, e desde então, fiz da minha dor um propósito.

Criamos um insta que se chama “sobrevivendoao_luto” e, através dele, podemos de alguma forma acalmar os corações partidos pelo luto. Hoje, junto com a Daniele Camarote, viúva, cuido de um grupo no WhatsApp com mais de duzentas participantes e, infelizmente, esse numero aumenta a cada dia. Sigo nessa missão, ajudando a dar colo, carinho e compreensão diante da dor alheia. O mundo está em falta de colo, compreensão e empatia, cuidar da dor do outro é um ato de coragem nos dias de hoje!

O que move hoje a minha vida é a gratidão a Deus, por ter me permitido viver um grande amor, ainda que só por sete anos. Sou extremamente grata a Deus pela forma que Ele nos conduziu, me permitindo viver um verdadeiro amor e, mais que isso, me permitindo devolvê-lo de forma grata. Sou extremamente grata a Deus, sabendo da minha capacidade e força, me deu a linda missão de cuidar e amar o meu “melhor presente”. E assim eu fiz!

Vencemos juntos por sete anos e eu creio que eu fui o bálsamo que Deus deu a ele para viver de forma intensa e bela os seus últimos anos de vida. Vivemos juntos o inacreditável e frustramos o óbvio. Eu sou feliz, porque tive o privilégio de amar e ser amada! “Viva bem com quem se ama, a vida não avisa, mas todo abraço pode ser uma despedida”.

A minha frase de cabeceira é: “Lá no céu, um dia, tudo se encaixa”. Sigo aguardando a volta de Jesus, na certeza do reencontro e de que meu Ronaldo foi a minha escolha e que tudo o que o coração conquista fica eterno… até lá, meu amor.”

Insta: @sobrevivendoao_luto

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