“Daqui até a lua, ida e volta”

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O Rafael escreve cartas para a Maria, O Rafael escreve cartas para o Francisco, a Micaela, esposa e mãe de seus filhos faleceu em função de um câncer. Ele se reinventou, aprendeu sobre presença na ausência, aprendeu sobre esperanças diárias, miúdas, dessas que pedem passos pequenos e acontecem enquanto a gente sabe onde está… aprendeu que homem chora e vai daqui até a lua, as cartas são lindas e o Rafael tem profundidades!! Corre ler!!!

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“Sempre tive dificuldades em demonstrar qualquer que seja a emoção.

Embora nós homens, na grande maioria, termos sido educados para não falar ou demonstrar nossas emoções, não se trata disso. Não preciso de álibi para justificar qualquer que seja o meu comportamento. Ao assumir a dificuldade que sempre tive, a responsabilidade passa a ser minha de mudar. Me reconheço como homem, com todas as dificuldades e limitações de uma geração que não aprendeu a olhar para dentro.

Neste cenário tenho que ensinar meus filhos a lidar com suas próprias emoções, enquanto aprendo a lidar com as minhas. Talvez ensiná-los a lidar com aquilo que sentem seja tão importante quanto ensiná-los a escrever ou fazer contas. Ao tratar deste assunto com meus filhos, em algum momento me vejo cometendo o erro de achar que somente eu ensino algo. Tenho aprendido muito com eles ao me permitir estar vulnerável e o desconforto inicial que sinto se mostra irrelevante minutos depois.

Em casa temos um acordo de falarmos quando sentimos tristeza ou saudades, por exemplo. Aos poucos vou encontrando uma forma de deixar a porta aberta para conversarmos sobre o que sentimos.

Quando tive que contar às crianças que a mamãe havia virado estrelinha, combinei com minha filha Maria Clara exatamente isso. A partir daquele dia, quando ela sentisse saudade ou ficasse triste, viria falar comigo e eu faria o mesmo. Choramos abraçados, eu perguntei se ela queria saber como eu e a mamãe escolhemos o seu nome e, logo em seguida, após caminhar para a sala enquanto eu estava sentado na cama, ouvi ela ter a mesma atitude com o Francisco.

Desde então, estou sem filtro com meus filhos. Falo descaradamente “eu te amo”, choro sem vergonha nenhuma e, as vezes, sou consolado pela Maria Clara que me abraça e diz que vai ficar tudo bem, pois estamos juntos. Assim pratico a honestidade emocional dizendo às crianças como me sinto em diversas situações. Quando estou triste, quando a saudade chega sem avisar, quando estou irritado digo “estou irritado, deixa o papai quieto um pouco”. Assim, eles vão aprendendo a identificar e respeitar as emoções alheias. Faço isso com cuidado, a responsabilidade ainda é minha – afinal, o adulto sou eu.

Recentemente me peguei tentando dimensionar o tamanho do amor, ao dizer “eu te amo” para eles. “Eu te amo desse tamanho”, enquanto abro os braços. Maria respondeu de imediato, sempre aumentando um pouco, e Francisco dizendo em seguida “eu também”

Um jogo de amor sem fim.

Resolvi colocar um fim na brincadeira dizendo “Eu te amo daqui até a lua”.

E ai de imediato a Maria Clara respondeu: “E eu te amo daqui até a lua, ida e volta”

Já o Francisco disse em seguida: “Eu também!”

A chegada de um filho é a chance que temos de transformação, de rever tudo que sentimos e entender nossos sentimentos.

Estou aprendendo com meus filhos. E, sabe de uma coisa? Homem também pode chorar, pode amar e dizer “eu te amo daqui até a lua, ida e volta.”

Texto publicado originalmente em:

cartasparamaria.com.br 

@rafaelstein

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