“De amor e de luto…”

1919

O amor, eterno, imenso. O coração, as palavras inesquecíveis, “meu amor, acho que tive um AVC. Meu lado direito está paralisado”, a angústia, a despedida. A falta em todos os cantos da casa, o silêncio, a escrita que nasce do primeiro ano, “publiquei os escritos do primeiro ano como um livro: De amor e de luto”. Os rituais e o segundo livro, nascido da navegação no amor e no luto, Mare Nostrum. O amor transborda, Flavio fica. No silêncio, nas escritas, nas músicas e livros, nos passeios, “fecho os olhos e ele me abraça”. Sim, Maria Lucia, amor de uma vida inteira é assim, você fecha os olhos e ele te abraça, para sempre.

(Autoria: Maria Lucia Seidl)

maria-lucia-1Flavio, meu eterno amor

Há nove anos perdi o amor de minha vida, minha alma gêmea, Flavio Joppert de Moura. Ele teve um AVC hemorrágico e não sobreviveu. Eu não estava com ele quando sofreu o AVC. Os antecedentes foram cruéis. Ele havia sido submetido a um procedimento para colocar stents. Passou muito bem e teve alta. Eu adiara uma viagem de trabalho a Belém devido a sua situação (sou professora universitária, agora aposentada).

Depois que fomos ao médico e ele foi totalmente liberado, inclusive para retomar atividades físicas na academia, remarquei a viagem para uma quarta-feira.

Nos dias que antecederam minha viagem, de sábado a terça, tivemos atividades em que Flavio encontrou grupos de quase todos seus/nossos amigos. Na quarta, passamos a manhã e almoçamos juntos. O dia estava lindo. Descansamos depois do almoço e ele me acompanhou até o táxi que levou ao aeroporto. Despedimo-nos com um beijo e eu lhe disse que ia chegar tarde em Belém e que nos falaríamos na manhã seguinte. Nunca mais nos encontramos.

Na quinta, ele falou comigo cedo e me disse que acordara um pouco enjoado. Disse-lhe que descansasse e não fosse à academia. Uma hora depois, quando eu já estava na universidade, ele me ligou e disse as palavras que nunca vou esquecer: “Meu amor, acho que tive um AVC. Meu lado direito está paralisado”. Ele estava sozinho em casa. No meio de meu desespero, busquei acalmá-lo e disse que ia providenciar ajuda. Depois de acionar socorro, ainda liguei e falei com ele que ficasse calmo que logo seria socorrido.
Voltei de Belém a noite, ainda com esperanças, mas logo soube que seu maravilhoso cérebro estava praticamente sem atividade. Nossa filha chegou de Londres no dia seguinte e ele viveu até domingo de manhã.

Durante anos, revivi esses dias como o personagem do filme “Groundhog day”. Era minha via crucis. Só esse ano, consegui me sentir com o coração apaziguado, repetindo um mantra: No regret, no sorrow, just love”.

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Desde a morte de Flavio, conheci uma dor imensa e muita saudade. Não queria sobreviver a ele. Todos os dias pedia a Deus para morrer quando me deitava para dormir. Não sabia quem era sem ele. Começamos a namorar quando eu tinha 17 anos e amei-o desde os 12. Entre namoro e casamento vivemos 48 anos juntos. Os filhos diziam que éramos uma só pessoa.

Fui ajudada no grupo Amigos Solidários na dor do luto. Um ano depois, estava muito mal e iniciei uma terapia individual com Adriana Thomaz.

Sentia muita falta de nossas conversas e comecei a escrever para Flavio todos os dias. Publiquei os escritos do primeiro ano como um livro: De amor e de luto. Criei uma página no FB com esse mesmo nome. Fiz também muitos rituais, inúmeros. Há um banco com uma plaquinha em sua homenagem em um parque em que gostávamos de ir em Londres; plantei uma palmeira Bismarquia (sua favorita) e uma árvore (com uma cartinha em um jarro de vidro); soltei balões com passarinhos azuis como em um sonho que tive com ele; fiz três tatuagens, inclusive de dois passarinhos azuis; bordei um quadro com nossa história, desenhada por Martha Dumont; publiquei um segundo livro, Mare Nostrum, navegando no luto e no amor.

O tempo passa, a vida é ressignificada, mas nada apaga a dor da perda de meu amor. No entanto, aqui estou todos esses anos depois. Sobrevivi. Acho que minha missão não acabou e ainda preciso aprender a ser melhor. Tenho tentado isso.

Com a saudade e a dor veio a consciência da força do amor, que inunda meu ser.
Vivo envolvida no amor que Flavio me deu todos os dias de nossos quase cinquenta anos juntos. Esse amor, parte de um amor maior que tudo envolve, dá sentido à minha vida e coragem para continuar vivendo, até que possa reencontrá-lo e reunir-me a ele, como desejo e espero.

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Flavio é meu amor de vida inteira. Muitas coisas podem ser ditas sobre ele. Em primeiro lugar, era um homem bom. Seus olhos eram doces embora ele às vezes se enraivecesse com coisas insignificantes. Adorava seus filhos e seus netinhos eram sua maior alegria. Era alegre e às vezes ranzinza. Um pessimista para equilibrar meu otimismo quase patológico.

Brilhante, seus conhecimentos ultrapassavam muito os técnicos de sua área. Era crítico e cético e me fazia refletir.
Foi um feminista espontaneamente desde jovem, acompanhou solidário meus voos e dividíamos as responsabilidades da vida. Ao se aposentar, aumentou os cuidados com nossa casa, em especial com nosso jardim.

Era famoso em casa por não prestar muita atenção em filmes e me perguntar quem eram os personagens, o que estavam fazendo e por que razão.

Tanto poderia dizer ainda. Ele me deu muito amor e fui muito feliz com ele. Sou muito grata pelo que tive e agora me alegro com as memórias do que compartilhamos. Fecho os olhos e ele me abraça.

Para comprar os livros:

Insta: @mlseidl

Face: Maria Lucia Seidl de Moura

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