Virág e o luto pela partida do irmão Zoltán. Virág e as respostas que não teve, e não terá, “para mim ficaram os questionamentos e o desafio de continuar a minha vida como uma sobrevivente do suicídio”, esse luto “tão específico”, sobre o qual precisamos falar.Virág, o tempo, anos para acomodar e transformar essa dor onde se sentia tão só, “a sensação de estar isolada e solitária é constante e, mesmo já tendo passado mais de uma década, ainda continuo com essa sensação em alguns momentos ou situações.” Na imagem o irmão que também fará parte de suas memórias, o irmão que vive ali, para além do suicídio, em tantos e tantos lugares, onde esteve e sempre estará. Virág e o luto transformado em livro, partilha dessa travessia, Virág e o trabalho voluntário, lugares de amor para Zoltán.
(Autoria: Virág Venekey)
“Zoltán se foi sem despedidas, sem deixar explicações. Para mim ficaram os questionamentos e o desafio de continuar a minha vida como uma sobrevivente do suicídio, uma marca que provocou muitas transformações pessoais”
“Impossível esquecer aquele 5 de novembro de 2007, dia em que soube uma das notícias mais impactantes da minha vida, o suicídio do meu querido irmão, Zoltán Venekey. Ele decidiu se retirar da vida tão jovem, com apenas 32 anos. Viemos da Hungria para o Brasil ainda crianças e passamos por muitas coisas… Zoltán amava o Brasil, mas ao mesmo tempo estava triste com a vida, achando que não conseguiria mais alcançar os seus sonhos tão almejados…
Zoltán foi uma pessoa diferente da maioria das pessoas que eu conheço. Um leitor voraz desde pequeno, frequentemente chamado de enciclopédia ambulante. Ele foi também uma pessoa criativa, que escrevia textos e traduzia poesias de húngaro para português. Infelizmente essas características dele aos poucos foram deixando ele cada vez mais solitário e isolado das pessoas. A minha percepção agora, anos depois, é que as pessoas não o compreendiam.
Zoltán se foi sem despedidas, sem deixar explicações. Para mim ficaram os questionamentos e o desafio de continuar a minha vida como uma sobrevivente do suicídio, uma marca que provocou muitas transformações pessoais. Viver no Brasil como estrangeira, com frequência me causa aquela sensação de ser diferente, um pontinho vermelho no meio da multidão, mas o luto pelo suicídio trouxe todo um contexto a mais nesse aspecto.
“Posso dizer que minha dor virou um dom, uma força para atuar nessa causa”
O luto por suicídio é um luto diferente. Para mim, os primeiros dias, as primeiras semanas, os primeiros meses e os primeiros anos foram difíceis de diferentes formas. Cada período de tempo tem seus próprios desafios e traz sentimentos que é preciso enfrentar. O mais constante em todos esses períodos é a sensação de isolamento e solidão que o Suicídio causa. Por mais que se tenha amigos atenciosos, está-se sempre acompanhado da sensação constante de que ninguém é capaz de entender a complexidade da situação e dos sentimentos que enfrentamos quando perdemos alguém próximo para o Suicídio. A sensação de estar isolada e solitária é constante e, mesmo já tendo passado mais de uma década, ainda continuo com essa sensação em alguns momentos ou situações. É algo que a gente aprende a lidar com o tempo, mas que nunca passa completamente. Em resposta a essa sensação eu permaneci por muito tempo sem conversar sobre o suicídio do meu irmão, meus sentimentos e meus pensamentos em relação a isso.
“O luto por suicídio é um luto diferente. Para mim, os primeiros dias, as primeiras semanas, os primeiros meses e os primeiros anos foram difíceis de diferentes formas. O mais constante em todos esses períodos é a sensação de isolamento e solidão que o Suicídio causa.”
Nos primeiros meses após o suicídio do meu irmão eu segui a vida de forma muito automática, preenchendo meu tempo o máximo possível com trabalho e distrações diversas. Nessa época passei também por mudanças profissionais, inclusive mudança para nova cidade, e isso também ajudou a ocupar a minha cabeça e meus pensamentos. Depois que a vida entrou numa nova rotina começou a ter espaço para pensamentos e questionamentos… Foi difícil navegar por tantos sentimentos e memorias, mas foi necessário porque aos poucos, depois de analisar muito o passado, comecei a entender possíveis motivações do meu irmão para se matar e isso me trouxe uma nova perspectiva sobre tudo e o que queria fazer com todas as conclusões.
Os anos começaram a passar mais rápido e após uma década, sentia que tinha assentado, digerido, bem dentro de mim tudo que aconteceu. Ao longo desse tempo percebi o quanto o suicídio era um tema tabu na sociedade e eu por ter me fechado também era parte do problema. Decidi que queria fazer algo a respeito e assim me tornei voluntaria na área de apoio emocional e prevenção do suicídio. Inicialmente esse trabalho foi muito desafiador porque despertou muitos sentimentos dentro de mim, mas ao mesmo tempo me levou para um caminho de segurança e grande autoconhecimento. Finalmente comecei a falar sobre o suicídio do meu irmão de forma mais aberta com todas as pessoas e foi uma sensação libertadora para mim finalmente poder falar. Passei a ler sobre suicídio, estudar sobre o assunto e escrever textos pequenos em blogs sobre ele. Tudo isso culminou com a escrita e lançamento do meu livro “Livro Z: como o suicídio mudou a minha vida” em 2020. No livro conto toda a história, desde o momento em que soube do suicídio do meu irmão, como segui a vida nos primeiros dias, meses e anos, como passei pela fase de solidão, questionamentos e busca de respostas e finalmente como transformei tudo isso em algo positivo que é o trabalho voluntário.
“Passei a ler sobre suicídio, estudar sobre o assunto e escrever textos pequenos em blogs sobre ele. Tudo isso culminou com a escrita e lançamento do meu livro “Livro Z: como o suicídio mudou a minha vida” em 2020″
Todo esse tempo que passou desde o suicídio do meu irmão e o trabalho voluntário de apoio emocional me faz refletir muito sobre o assunto. Precisamos quebrar esse tabu e falar do suicídio. A campanha do Setembro Amarelo está aí desde 2015, mas o assunto precisa estar presente na sociedade de setembro a setembro. Precisamos ter atenção com as pessoas, estar disponíveis para uma conversa empática, acolhedora e sem julgamentos. Posso dizer que minha dor virou um dom, uma força para atuar nessa causa.
Para saber mais:
Livro Z: como o suicídio mudou a minha vida (a venda na Amazon.com)
Instagram: @o_livro_z
Contato: viragvenekey@gmail.com