Mãe, recuso o nunca mais, prefiro a continuidade…

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A Raquel se despediu da mãe aos 29 anos, fisicamente. A mãe dizia que as Esmérias morriam cedo, aos 43 anos, uma leucemia aguda, em pouco mais de um mês foi morar longe dos olhos, mas ficou no vento, independente do tempo passando, “muitas vezes sinto o toque de suas mãos quentes ao ser acariciada pelo vento.” Amor é assim, arruma outras formas de acontecer, para sempre.

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“Eu me chamo Raquel Ribeiro, tinha 29 anos quando me despedi da minha mãe, em 1997.”

Eu me chamo Raquel Ribeiro, tinha 29 anos quando me despedi da minha mãe, em 1997. Seu nome de batismo era Esméria. Todos, porém, a chamavam de Merita – com exceção de minha avó, que inventou Esmerita. Meu pai, de vez em quando, falava Meméia, como a bruxinha de uma personagem em quadrinhos. Além do physique du rôle, com nariz e queixo pronunciados, ela apresentava um sexto sentido bem aguçado, e assim também ganhou dele o apelido de Bruxa.

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“Em pouco mais de um mês no hospital, assisti com espanto o milagre reverso do corpo, agora vazio.”

“As Esmérias morrem cedo”, afirmava minha mãe, sem espanto ou rancor. “Não vou ser avó”, completava, pois aos 43 anos de idade (muito bem vividos, diga-se de passagem) foi diagnosticada com leucemia aguda.

Sem chance de transplante de medula, sem tempo de quimio. Em pouco mais de um mês no hospital, assisti com espanto o milagre reverso do corpo, agora vazio. Mal percebemos o último suspiro.

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“Sei que no velório eu estava tocada, emotiva. Do latim emovere, emoção indica “agitar, remover, mudar de lugar”.

Depois, sozinha no quarto, arrumei suas coisas, guardei na mala e, fiquei ali no hall, lendo nas portas os nomes de cada recém-nascido… Lembrei de uma música de Milton: “A hora do encontro é também despedida”. Tantos bebês chegando ao mundo enquanto minha mãe se vai.

Sei que no velório eu estava tocada, emotiva. Do latim emovere, emoção indica “agitar, remover, mudar de lugar”: acho que é isso que partidas e lutos provocam na gente. Desde esse dia – quando um amigo de meus pais afirmou, diante do corpo inerte, que ali estava apenas a casca, pois a borboleta já havia voado – busco ver, ou ao menos sentir, as asas etéreas de minha mãe.

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“Prefiro as possibilidades de outras vidas após o que chamamos morte. Gosto tanto que agora as partilho por meio do livro para crianças “É o fim?”

Antes materialista e ateia, aos poucos eu me abri aos mistérios, à espiritualidade, e hoje gosto da ideia da continuidade. É duro demais o nunca mais. Recuso essas palavras; prefiro as possibilidades de outras vidas após o que chamamos morte. Gosto tanto que agora as partilho por meio do livro para crianças “É o fim?” lançado dia 06 de abril, em Floripa.

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“Tenho uma bela foto da minha mãe, ao lado de flores e de um Budinha sorridente; olho e lembro a mulher corajosa que foi.”

Em dezembro, minha mãe completaria 80 anos. Até hoje sinto saudade, claro, mas há tempos a dor foi transmutada, ao meu modo, celebro os queridos que fizeram a passagem. Tenho uma bela foto da minha mãe, ao lado de flores e de um Budinha sorridente; olho e lembro a mulher corajosa que foi, tanto na vida, quanto na passagem para a morte.

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“Muitas vezes sinto o toque de suas mãos quentes ao ser acariciada pelo vento…”

Generosa, solidária, confiante, brava e autêntica, sabia ser ela mesma, sem medo de ser feliz. Atenta e cuidadosa, deixou um vazio imenso no nosso núcleo familiar, mas a sinto presente em cada etapa importante da minha história. Sei que ela me despertou para ver no Jean o homem da minha vida e me assinalou a chegada da Chantal, uma menina absolutamente apaixonante!

Muitas vezes sinto o toque de suas mãos quentes ao ser acariciada pelo vento… E agradeço todo o amor que nos dedicou.

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É o Fim?

Nem a ciência, nem as religiões comprovam se há – ou não – vida além da morte. Por que, então, dispensar o conforto da ideia de continuidade? Ao abrirmos essa porta há um universo de possibilidades. Algumas poéticas (virar estrelinha), outras drásticas (céu-inferno) e muitas curiosas na linha da reencarnação ou da liberdade de o espírito se soltar e vaguear por aí.

O certo é que nosso corpo – carne, ossos ou cinzas – vira adubo e assim continua o ciclo da vida. É o fim? se destina a todos aqueles dispostos a conversar sobre a morte, de forma leve e até divertida. E tem o propósito de ajudar a apaziguar o coração de crianças e jovens que estão lidando com o luto. O livro mostra que a morte faz parte da vida e que, de um jeito ou outro, a vida continua.

Indicado a leitores de todas as idades, com a sugestão de ser uma leitura intermediada por adulto. Assim, o pai ou responsável pode explicar algumas referências e usar história para abordar alguma morte específica, abrindo espaço para a criança falar sobre a dor e a saudade.

Trecho do livro:
“Sou feita de energia e percebo a energia do fogo, da música, das orações, do alimento, das pessoas. De que forma? Observe o lugar onde está, depois feche os olhos e imagine que tudo é formado por milhões de pontinhos de luz. É por aí.
Entendeu o espírito da coisa?”

(Autoria: Raquel Ribeiro)

Para finalizar, amealho palavras emprestadas do poeta:
“Deus nos dá pessoas e coisas,
Depois, retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria
sozinhos…
Essa… a alegria que ele quer.”
(João Guimarães Rosa)

@raquelribeiroescritora

@lacoselutos_

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