Elis e Jair e o amor, que cresceu e multiplicou. A saída dos filhos, os lugares sobrando na mesa. Os planos de envelhecimento, as viagens, a casa na praia. O Covid e os sonhos interrompidos. A despedida e um novo eu, faltando partes dele. As ondas gigantes, o naufrágio e o retorno pelos que ficam, diariamente, para que esse amor serene e permaneça, para sempre.
“Jair, o homem que entrou na minha vida pra somar, multiplicar e alegrar meus dias.”
“Meu nome é Elis Magalhães, tenho 58 anos e perdi meu marido para um vírus letal e invisível, divido um pouquinho da nossa linda trajetória de amor. Em 06/81 conheci o Jair, o homem que entrou na minha vida pra somar, multiplicar e alegrar meus dias. Nos casamos no dia 18/07/87, data em que escolhemos um ao outro para realizar nossos sonhos e formar a nossa família, afinal, todo amor que sentíamos precisava transbordar.
Em 1990 nossa família começou a crescer com a chegada a nossa pequena Mônica. Nossa princesa veio para nos ensinar ainda mais sobre o que é o amor e mostrar que ele pode ser verdadeiramente puro e genuíno. Sete anos depois, enquanto já construíamos uma linda história familiar, Deus no presentou mais uma vez: a chegada do nosso menino, Felipe.
“O tempo foi passando e com ele o sonho da aposentadoria para que eu pudesse descansar e cuidar da minha família.”
Nos tornamos, dia após dia, uma família mais unida e feliz, realmente ligados pelo amor. O que não esperávamos era que ela cresceria um pouquinho mais, a chegada cheia de lambidas e alegria, o Batata, nosso cachorro. De fato, naquele momento estávamos completos, pois havíamos aprendido ainda mais sobre amor, companheirismo e amizade.
O tempo foi passando e com ele o sonho da aposentadoria para que eu pudesse descansar e cuidar da minha família. Em 2019 o descanso chegou, mas junto dele nossa família precisou lidar com a casa mais vazia, já que minha pequena Mônica, que já não era mais pequena, decidiu alçar voo e morar em outro cidade em busca de oportunidade. De 5, viramos 4 e em seguida de 4 viramos 2, pois meu filho também decidiu sair debaixo de nossas asas e voar, levando nosso Batata com ele, por fim, restamos só meu marido e eu.
“Planejávamos aproveitar a vida, vida essa que foi arrancada de mim antes de sequer começar a colocar todos nossos novos planos em prática.”
Voltamos a ser apenas dois, do mesmo jeito em que havíamos iniciado, embora o Jair nunca tivesse se acostumado com a ausência dos filhos em nosso ninho. Foi aí que resolvemos alinhar a bússola, recalcular a rota e também alçar os nossos próprios voos.
Percebemos que a casa tinha ficado grande demais, a mesa tinha muitas cadeiras e quartos sobrando, então, achamos ser a hora perfeita para reformarmos nossa casa de praia e envelhecermos juntos, além disso, planejávamos fazer viagens, passeios e aproveitar a vida, vida essa que foi arrancada de mim antes de sequer começar a colocar todos nossos novos planos em prática.
“Meu filho e meu marido positivaram para o COVID-19. Meu filho ficou bem, mas meu marido começou a piorar dia após dia.”
Em 03/21, nosso florido e grande castelo começou a desmoronar. Meu filho e meu marido positivaram para o COVID-19. Meu filho ficou bem, mas meu marido começou a piorar dia após dia. As tosses começaram a se intensificar, o pulmão já não estava mais o mesmo e a saturação baixou, nos deixando sem saída senão aceitar que a internação hospitalar era a única saída naquele momento.
No dia 21/03/21, já internado, o Jair reagia bem ao tratamento, os exames eram animadores, nos falávamos quase que todo o dia pelo WhatsApp ou por vídeo, já que ele permaneceu no quarto durante toda a hospitalização.
“Meu coração quase explodiu de tanta dor… Não era justo, não desse jeito e de uma forma tão precoce.”
Lembro-me com clareza que na noite do dia 23/03/21 falamos por vídeo, o vi com uma ótima aparência, mas me deparei com um pedido do meu marido, surpreendentemente, ele pediu para que nossa família fosse até a porta da casa e rogasse para que Nossa Senhora intercedesse por ele e assim o fizemos.
Todavia, no dia seguinte, 24/03, fomos atingidos por um golpe incurável. Minha filha recebeu uma ligação do hospital e, ao chegarmos, a equipe médica nos informou que ele havia tido um infarto e não resistira. Meu coração quase explodiu de tanta dor, afinal, não era possível que tamanha tragédia estivesse chegado até a nossa linda família. Não era justo, não desse jeito e de uma forma tão precoce.
“Acho que só quem vive o luto sabe o quanto é difícil ser resiliente e tentar, dia após dia, superar o insuperável.”
Nosso império caiu. A morte levou cada tijolo do nosso castelo como um grande tsunami que devastou a todos nós e destruiu todos os nossos sonhos.
Acho que só quem vive o luto sabe o quanto é difícil ser resiliente e tentar, dia após dia, superar o insuperável. Sinto que mesmo após esses três anos há dias em que apenas sobrevivo, como se eu fosse uma grande náufraga no meio do mar. Sinto que ondas gigantes me atingem, mas no fim, eu sempre volto até a superfície para respirar.
“As tarefas mais simples se tornaram pesadas, as datas comemorativas perderam a graça e o nosso riso silenciou.”
Posso dizer que com a partida do meu marido, parte de mim morreu junto com ele, até porque a morte nunca vem sozinha, ela sempre leva um pouco (ou quase tudo) de nós. Eu perdi um amigo, os filhos perderam o pai e nós quatro perdemos um amigo, companheiro e um grande amor, no fim, todos nós nos perdemos de nós mesmos, a ponto de nos questionarmos quem somos agora.
As tarefas mais simples se tornaram pesadas, as datas comemorativas perderam a graça e o nosso riso silenciou. Sabemos que precisamos seguir, afinal, o mundo segue e ainda temos uns aos outros, por isso, apesar de tudo, agradeço a Deus por ter me permitido viver um amor com frutos, os nossos filhos, que é um pedacinho do grande amor que vivemos, e viveremos, eternamente.”
(Autoria: Elis Magalhães)
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