Pai, te amo ontem, hoje e amanhã

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(Autoria: Rafaela Braga)

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A Rafa nos fala desse amor que nasce do lugar de onde viemos, fala da travessia de olhar nos olhos de quem nos mostra o mundo e não sermos reconhecidos, das emoções que negam os tubos e se manifestam, fala das despedidas que acontecem nos não acontecidos e do amor que fica “Amava você ontem, amo você hoje e amarei você amanhã. ”

Se tudo seguir a ordem natural, sabemos que um dia vamos perder nossos pais, contudo, quando se é jovem essa parece uma certeza distante. Pai, durante os anos em que acompanhei o seu adoecimento por câncer, essa também me parecia a pior coisa que poderia nos acontecer. Vivíamos assombrados pelo fantasma da metástase. Mas aí veio a demência… eu me perguntava como uma pessoa pode ter duas doenças graves, era demais, difícil de acreditar. Pelo que eu havia lido e ouvido falar sobre a demência, tratava-se de uma doença incurável e progressiva, mas minha expectativa era de que você fosse viver mais uns anos, depois baixou para meses e, na realidade, foi menos que isso. O curso da doença foi avassalador.
Um dos momentos que eu mais temia era perceber que você me esqueceu e eu vivi para presenciar isso. Arrependo-me dos momentos em que perdi a paciência com você, por outro lado entendo que essa doença é devastadora não só para o paciente mas, principalmente, para a família, as alterações comportamentais são as mais difíceis de lidar.
Tenho certeza que você broncoaspirou e faleceu por complicações disso. Durante o mês em que você passou no CTI, o fato de ter um bebê de quatro meses nos braços nunca foi uma desculpa para mim. Quase todos os dias eu fui ver você. Sedaram e te entubaram na minha ausência, nesses dias vivi um conflito muito grande. A minha experiência em cuidados paliativos me dizia uma coisa, mas era dificílimo abrir mão, mas uma coisa boa esses procedimentos extraordinários nos permitiu: a despedida. Ao longo de um processo frustrado de desmame da ventilação mecânica, diminuíram a sua sedação e eu pude lhe agradecer pela acolhida generosa, pelas fraldas que trocou, pelas merendas que preparou, pelas apresentações de escola e de ballet que assistiu, pelos sonhos e conquistas que compartilhou, e, por último, por ter me ajudado a decifrar o choro do meu filho. Nesta mesma oportunidade, em seguida eu lhe disse que contaria tudo isso ao meu filho e vi que você, mesmo entubado, se emocionou. Ali nos despedimos de verdade, depois não te vi mais acordado.
Não sabia se um dia suportaria ver você dentro de um caixão, entretanto, por incrível que pareça, a segunda despedida foi até leve. Fizemos tudo como você gostaria. Deixamos bilhetinhos de amor por entre as flores e você partiu com a caixinha de cinzas da sua querida Twyggy (gata) apoiada no peito. Agradeço à sua vida pelo encontro e à sua morte por ter me ensinado a dar o devido valor às coisas. Arrependo-me por não ter tido meu filho antes, mas ele veio na hora certa para me dar a força e a coragem de seguir adiante. Em seus últimos dias, em casa, você me disse que filho dá trabalho, mas no fim das contas valeria muito à pena. Eu devolvo pra você agora: pra mim também valeu muito à pena ser sua filha! Termino com um poema de autoria desconhecida que guardei durante o meu luto antecipatório:
ETERNIDADE
Quando os meus filhos disserem aos meus netos o quanto eu os amava; e quando os meus netos disserem aos meus filhos que guardam lembranças minhas e de mim sentem saudade; não terei morrido nunca: serei eternidade.
Amava você ontem, amo você hoje e amarei você amanhã.
P.S: O seu neto de dois anos reconhece você nas fotos, fala “vovô”.

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