Precisamos falar sobre o amor, precisamos falar sobre o suicídio, sem julgamentos. Cristina passou pela travessia da despedida de sua única filha, aos 23 anos, essa dor inimaginável, essa dor singular, “os três primeiros meses foram de total desespero, eu não ingeria nada sólido, entrava embaixo do chuveiro e ali eu urrava, feito um bicho. Dormia e dizia, foi um pesadelo, amanhã, a Mari me liga, e vinha a minha dura realidade...” Não cabem julgamentos, Mariana foi, e é, amada, muito, “a depressão, não é frescura, não é mimimi, não é falta de Deus, ela é silenciosa, é como um câncer na alma e, ela mata.”
Cristina segue, dando sentidos para sua dor, junto com Ivo, pai enlutado, fundou um grupo de acolhimento, o LUTA EM LUTO. Segue, respeitando sua saudade “seguir, é preciso, mas todo dia, é um recomeço, tento sobreviver, um dia de cada vez, vou me permitindo viver.”
(Autoria: Cristina Miguel)
“Meu nome, é Maria Cristina da Silva Miguel, nas redes sociais, conhecida como Cristina Miguel, sou uma sobrevivente enlutada pelo suicídio da minha única filha, Mariana, em 26/01/2013, com 23 anos de idade.
Minha Mari, foi uma filha muito desejada, eu sempre fui uma pessoa agitada, mas na minha gravidez, tive que mudar muito a minha rotina. Tive um princípio de aborto, logo nos primeiros meses e, como trabalhava, tive que por contas das minhas licenças prêmios, ficar em casa, em repouso.
Mariana, deveria ter nascido em 26/11/89, mas a pressa foi tanta, que em 26/10/89, ela veio ao mundo. Pequena, mas cheia de atitudes, e daí minha vida foi uma eterna alegria, eu tinha conhecido, naquele momento, o amor incondicional, aquela pequena foi cuidada com todo amor.
Em 2000, veio o meu divórcio, ficando eu e a Mari, sempre juntas. Aos 14 anos, começou à ficar mais retraída, foi quando iniciou o tratamento psicológico e psiquiátrico, porque começou aí, um isolamento social, muito grande. Foram cinco anos de luta, não a deixava só em casa, se precisasse sair, meus pais ficavam com ela, não tinha acesso às medicações e, sempre estava ali ao seu lado, dizendo à ela, filha quer conversar, estou aqui. Com 19 anos, houve uma grande mudança nela. Amante da cultura japonesa desde os nove anos, ela era cosplayer (pessoas que se vestem como desenhos e personagens japoneses), vivíamos direto no bairro da Liberdade, em SP, onde seus amigos, se reuniam, e nós sempre juntas.
Amante de rock japonês , fã da banda Malice Mizer, e apaixonada pelo baterista, chamado Kami. Com 20 anos, ela me pediu, mamãe, quero morar em SP, não gosto de Santos, meu coração apertou, eu não poderia ir com ela, porque tinha meus pais acamados para cuidar e, foi feita a sua vontade.
Mari foi morar em SP, em fevereiro de 2010, alçou um voo, mas sempre me fazia presente, todas as semanas, estava lá, e como era bom, passear pelo centro de SP, com ela sempre procurando algum tecido, ou adereços, para um novo cosplay. Agora tinha virado uma nova Mariana, fez vestibular na FMU, passou, foi fazer tecnologia em fotografia, aprendeu à cozinhar, mas eu sempre alerta e perguntando, filha está tudo bem?
Tinham datas, que sempre fizemos questão de estarmos juntas, no dia do nosso aniversário, que por coincidência, é no mesmo mês, outubro. Mari em 2012, começou à namorar e a vida seguia. Mas no dia 26/01/2013, ela desistiu de viver, tinha planos, sonhos, estava no último semestre do curso de fotografia, apaixonada pelo namorado, mas a dor, que ela sentia, a depressão, havia voltado, eu a chamo de dor da alma, porque tenho certeza, de que em um momento de total desespero, eles só querem que ela cesse, eles veem no suicídio, o meio de que ela pare. Ela esqueceu de seus amores e de quem a amava. Às 12:20 do dia 26, meu amor partiu.
A ordem natural da vida, foi alterada, os pais devem partir primeiro, me vi totalmente perdida, a razão da minha vida era ela. Não permiti que meus pais soubessem como ela partiu, como trabalhava e me aposentei quando ela tinha oito anos, eles ficavam durante o dia com ela, seria muito sofrimento. Falei que ela havia tido uma parada cardíaca. No ano seguinte, em 2014, meu pai partiu, e em 2016, minha mãe.
Os três primeiros meses para mim, foram de total desespero, não ingeria nada sólido, entrava embaixo do chuveiro e ali eu urrava, feito um bicho. Dormia e dizia, foi um pesadelo, amanhã, a Mari me liga, e vinha a minha dura realidade.
“Os três primeiros meses para mim, foram de total desespero, não ingeria nada sólido, entrava embaixo do chuveiro e ali eu urrava, feito um bicho. Dormia e dizia, foi um pesadelo, amanhã, a Mari me liga, e vinha a minha dura realidade.”
O que me ajudou muito, foi a minha religião, sou espírita, meus irmãos de doutrina, sempre me davam um longo abraço, porque eu precisava disso, tudo o que poderiam me dizer, talvez não adiantasse muito.
Em 2017, conheci o primeiro grupo de acolhimento aqui em Santos, fui á uma reunião, e percebi, que eu não estava só, porque o luto por suicídio, além da dor, das perguntas sem respostas, os ses e porquês, nos deixam isoladas, porque muitas vezes, as pessoas não sabem o que nos falar. Foi nessa reunião que vi, quantas pessoas haviam perdido, seus amores e ali naquele espaço, eu podia falar das minhas dores, saudades, e entender que podemos seguir, que nunca mais seremos as mesmas, mas que a vida segue.
Aprendi à filtrar o que me era falado, escutamos muitas coisas que nos magoam e que não são verdades. Fizemos tudo por nossos amores, não somos super heroínas e, por mais que estivéssemos ali presentes, em um segundo, tudo poderia acontecer.
A depressão, não é frescura, não é mimimi, não é falta de Deus, ela é silenciosa, é como um câncer na alma e, ela mata.
“A depressão, não é frescura, não é mimimi, não é falta de Deus, ela é silenciosa, é como um câncer na alma e, ela mata.”
Não aceito julgamentos à minha filha, ela sempre será o meu eterno amor, hoje junto com outro pai, temos um grupo autônomo, o LUTA EM LUTO, que nasceu em 04/02/2019, temos a colaboração de duas psicólogas, Ionice Lourenço e Pollyanna Vicência, toda primeira terça de cada mês. E, infelizmente, nosso grupo só aumenta.
Para seguir adiante, temos que buscar um novo sentido para a nossa vida, e a minha eu ressignifiquei, com o grupo de apoio e, faço isso como uma homenagem a minha filha Mariana.
Seguir, é preciso, mas todo dia, é um recomeço, tento sobreviver, um dia de cada vez, vou me permitindo viver. Voltei à ouvir música em 2019, vou me permitindo sorrir de novo, sei que nunca mais serei a mesma Cristina, mas pelo amor que nos une, sigo e sei que um dia, no tempo de Deus, iremos nos reencontrar.
“Seguir, é preciso, mas todo dia, é um recomeço, tento sobreviver, um dia de cada vez, vou me permitindo viver. E gostem , ou não, eu sempre vou falar da minha Mariana , porque ela faz parte da minha vida, ela vive em mim.”
Procurei ajuda médica, há três anos não tomo antidepressivos, mas ainda preciso de medicação para dormir. E gostem , ou não, eu sempre vou falar da minha Mariana , porque ela faz parte da minha vida, ela vive em mim.
Maria Cristina da Silva Miguel, 65 anos, mas conhecida como Cristina Miguel, nas redes sociais. Aposentada, moradora de Santos, litoral de SP , sobrevivente enlutada, da única filha, Mariana Miguel do Nascimento. Precisamos falar de suicídio, precisamos acolher quem perdeu alguém, ou quem está com ideação suicida. Precisamos de uma política onde todos tenham acesso à médicos e psicólogos. O mundo pede ajuda.
CONTATO:
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