Que o meu amor te abrace no infinito, meu filho

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(Autoria: Marcia Toppi, mãe eterna do Marcos)

Márcia, aos 17 anos tem a vida mudada, Marcos chega, de forma inesperada, junto com ele a paixão pelo futebol, pela música sertaneja e pelo riso fácil, junto com ele a cumplicidade construída entre eles. Márcia, 23 anos depois, de forma inesperada, nasce como mãe eterna, em uma noite fria e chuvosa, aprende sobre ordens invertidas, sonhos interrompidos e sobre o amor que deixa um filho partir em paz. Nessa travessia aprende o que é viver uma mistura de sentimentos, a incompreensão dos que não andaram por esses caminhos, aprende sobre as tonalidades diversas de uma saudade “dias de tristeza, depressão e lágrimas, a mudança de humor é constante e há, também, os momentos de alegrias, são raros, mas há. A saudade fica ali, ora latente e ora adormecida, sobrevivo aguardando o dia de realizar a Páscoa definitiva com Deus e reencontrar meu amado Marcos”

“Me chamo Marcia Geovana Toppi, fui mãe aos 17 anos, de um lindo garotinho, Marcos Roberto da Silva, que seria meu único filho, viveu conosco por 23 anos, 10 meses e 21 dias, e, há exatos 9 anos e 4 meses vive ao lado de Deus. A vinda de Marcos foi tão inesperada quanto a sua partida, desde o nascimento, complicado, já que após o parto tive atonia uterina e precisei ser submetida a uma histerectomia. Marcos, sempre teve a saúde debilitada, passando por várias internações e por várias vezes, o vi a beira da morte, mas sempre com um sorriso contagiante, espalhava alegria na minha vida, dos familiares e amigos de jornada. No trabalho, era a seriedade, honestidade, dedicação e profissionalismo, centrado e com chances concretas de crescimento, claro, nem tudo eram flores, havia também nossos desentendimentos.

Tinha um imenso carinho por pessoas “especiais”, apaixonado por música sertaneja, amante e jogador de futebol, contador de piadas e devoto de Nossa Senhora Aparecida. Apesar de jovem, era independente, vivendo tudo intensamente, como se o tempo fosse incompatível com os seus anseios de vida e o mundo restrito e limitado, desde cedo assumiu responsabilidades no sustento de casa, já que era filho de pais separados.
Não sei explicar, mas meu coração de mãe sempre foi muito angustiado, vivia extremamente preocupada com o meu filho, um pressentimento que a qualquer momento algo ruim aconteceria a ele, e, infelizmente, aconteceu numa véspera de Páscoa. Voltemos ao tempo… 03/04/2010, uma noite chuvosa, fria, angustiante e misteriosa, que mudou para sempre minha vida, começa então meu pesadelo, Marcos não foi na casa da avó jantar, como combinado, foi até o escritório que trabalhava, fez algumas notas, saiu e se encontrou com amigos, ficaram conversando e soube posteriormente uma frase dita por ele que me marcou profundamente:- “Se eu morrer amanhã, morro feliz, pois pude ajudar meu pai”. (Marcos deu uma quantia em dinheiro, para ajudar o pai a comprar um pequeno comércio), e foi a uma festa, sem me avisar o local.
Naquela noite, aperto no peito, angústia, medo e pressentimento intenso de que algo ruim iria acontecer, comecei a procurar pelo meu filho, não o encontrei, ele não havia levado celular, rezei e pedi a Deus e a Nossa Senhora para protegê-lo. As horas passavam e meu filho não chegava, já era madrugada, por volta das três horas, ouvi um barulho na área dos fundos, (tipo pedras rolando pelo chão), saí e nada vi, isso foi exatamente na hora do acidente, eu pressenti que meu amado filho, estava precisando de mim, porém, nada pude fazer, pois só soube do acidente, através dos policiais as cinco horas. Quanta dor, sofrimento e desespero, sem notícias e sem poder vê-lo. Soube que saiu da festa, despedindo-se de todos, contou a última piada e disse que ia para casa, mas pegou um caminho totalmente contrário, que até hoje não entendemos… uma vicinal, uma estrada reta, meu filho perdeu o controle do carro, bateu em uma cerca viva, capotou diversas vezes, foi lançado para fora do carro, teve traumatismo craniano com perda de massa encefálica, ficou estirado no chão molhado, esperando socorro por mais de uma hora e meia, enfim foi socorrido e levado para a Santa Casa de Itápolis, onde foram realizados os primeiros procedimentos, e, posteriormente transferido para a Santa Casa de Araraquara, sendo submetido a uma cirurgia, e, desde o momento do acidente permaneceu em coma. Ficou internado na UTI por nove dias, teve reações a estímulos dolorosos, apertando minhas mãos nos dias 05 e 06/04/10, nos dando esperanças na sua recuperação, mas após esses dias, infelizmente não teve mais reações, seu brilho foi se apagando e ele foi-se despedindo aos poucos, foi diagnosticado com morte cerebral no dia 08/04 e paralisação dos órgãos no dia 11/04/10, lutou bravamente pela vida, foi guerreiro, mas Deus o quis ao seu lado.
Durante esses nove dias de UTI, em que Marcos permaneceu ligado a aparelhos, conversei com ele, falei do acidente, transmiti o quanto eu o amava e o quanto era amado por todos, pedia para que fosse forte, para lutar e não desistir, cuidei dele nos momentos que me eram permitidos, beijava, acariciava e passava água benta nele, que a avó mandava, mas seu semblante era triste, de muita dor e sofrimento. Foi então, que uma semana após o acidente, durante a visita, pedi a uma enfermeira gaze e soro fisiológico para passar nos lábios do Marcos, que estavam muito ressecados, ela se aproximou de mim e disse:- “Mãe, fiquei observando vocês esses dias, pude notar que o amor que os une é muito forte e que são muito ligados, por isso ele tem dificuldade de se desprender, a senhora o ama muito, mas seu filho já teve morte cerebral e esse quadro é irreversível, ele está sofrendo demais, pelo imenso amor que os une, peça para ele partir em paz.” Reuni as últimas forças que me restavam e fiz a coisa mais difícil de minha vida, me aproximei do meu amado filho e falei ao seu ouvido:- “Filho, eu te amo muito, você é minha vida, fizemos tudo o que podíamos, tudo o que estava ao nosso alcance, o possível e o impossível, mas sei que está sofrendo demais, e, eu não estou mais aguentando ver o seu sofrimento, então pegue firme nas mãos de Deus e Nossa Senhora e pode partir em paz, sem se preocupar comigo, pois eu te prometo agora, aqui, que eu não cometerei nenhuma loucura contra minha própria vida, vou seguir em frente por você, mesmo faltando um pedaço de mim, seguirei por você, eu te prometo, vá em paz meu amor”. Quando cheguei no dia seguinte para visitá-lo, seu semblante havia mudado, estava tranquilo, sereno, barba feita, banho tomado, lindo como sempre, estava em paz, preparando-se para partir. Partiu no dia seguinte, infelizmente não consegui doar seus órgãos, mesmo sabendo que salvaria outras vidas, pois acreditei até no último momento, lembrava de Lázaro, na passagem da Bíblia e implorava por um milagre, mas Deus o chamou. Enfim, eu sigo cumprindo a promessa que fiz a meu filho, honrando sua memória, fazendo o impossível para sobreviver sem a sua presença física, pois espiritualmente, sei que ele sempre estará comigo.
Confesso que não é nada fácil, pois quando se perde um filho, no auge da vida, um menino idealista, cheio de saúde, sonhos e planos a ordem é invertida, vai com ele nossos sonhos e fantasias, nos deixa numa ansiedade sem fim, chocada, paralisadas, perdemos o brilho, vivemos com um nó na garganta e um buraco dentro do peito, perde-se a vontade de fazer as coisas e até mesmo de se cuidar, faço tratamento psiquiátrico, fiz terapia por um tempo mas precisei parar, devido ao serviço, infelizmente não consigo me libertar das medicações, minha única esperança, é ter o merecimento de me encontrar meu filho, no céu. Tento seguir honrando a memória do meu amado filho, da melhor maneira possível, trabalho, sou funcionária pública, faço customização em artes sacras, uma vez por semana frequento um grupo de auto ajuda, pretendo começar a fazer hidroginástica e recentemente comecei um trabalho voluntário em um Abrigo de Idosos. O luto é solitário e muitas vezes silencioso, nem sempre somos compreendidas, até mesmo por familiares, não existe cura ou remédios para amenizar os sintomas, há dias de tristeza, depressão e lágrimas, a mudança de humor é constante e, há também os momentos de alegrias, são raros, mas há. A saudade fica ali, ora latente e ora adormecida, sobrevivo aguardando o dia de realizar a Páscoa definitiva com Deus e reencontrar meu amado Marcos.”

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