Filho, que saudade de te ouvir me chamando…

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Magda e o dia que amanhece estranho. O filho caminhoneiro. O caminho pelos últimos caminhos antes de percorrer todos em que estiveram – o misto quente e a receita com tomate, o ovo cozido, o beijo, a benção. A promessa do jantar que não acontece, meia hora e tudo muda. A despedida antes do enterro. As roupas e perfumes retirados. Tentativas de amenizar uma dor inimaginável, na proporção do amor, que fica até o último dia de vida de uma mãe. Assim é, assim deve ser, assim merece ser, para sempre.

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“Eu, como mãe, nunca quis que ele fosse caminhoneiro, mas ele gostava. No dia estava com um aperto no peito, uma sensação ruim, fiquei deitada mais tempo.”

“Meu filho caçula, João Paulo, faleceu em 10/11/2020, aos 24 anos, vítima de um acidente. Um jovem muito alegre, gostava de passear, beber, cantar, era fã do Tião Carreiro. Ria, contava piadas, era amigo de todos, das crianças aos mais velhos. Quando era época de reinado também era congadeiro.

Eu, como mãe, nunca quis que ele fosse caminhoneiro, mas ele gostava e assim foi. Na segunda-feira, dia 10/11/20, eu não estava passando bem, um aperto no peito, uma sensação ruim, fiquei deitada mais tempo. Meu filho levantou e gritou: “isso não é mais hora de dormir!” Levantei e fui até a cozinha. João estava fazendo um misto e cozinhando um ovo. Ele não tinha costume de tomar café de manhã. Lembro que ele me perguntou se eu já havia colocado tomate no misto, dizendo para eu fazer que era muito bom.
Ficou ali, conversando comigo.

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“Disse que precisava descarregar o caminhão. Me beijou e tomou a benção. Quando estava saindo perguntei onde ele ia descarregar. Respondeu e disse que voltaria para jantar.”

Depois disse que precisava descarregar o caminhão. Me beijou e tomou a benção. Quando estava saindo perguntei onde ele ia descarregar. Respondeu e disse que voltaria para jantar. Em meia hora minha irmã me enviou uma foto de um caminhão acidentado, perguntando se era o caminhão do João Paulo. Respondi que não e pedi a Deus que abençoasse a família daquele motorista pois possivelmente havia falecido.

Em seguida, as pessoas começaram a chegar em casa, meu sobrinho disse que o João Paulo havia sofrido um acidente, mas estava hospitalizado. Eu disse “não, ele não está no hospital, está morto, podem me dizer, não sou melhor que nenhuma outra mãe, se acontece com outras porque não aconteceria comigo?”

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“Cheguei ao local do acidente, tirei meu chinelo e saí correndo gritando pelo seu nome na esperança que me desse um aceno e dissesse: “mamãe, estou aqui.” Não acenou e nem me respondeu.”

Cheguei ao local do acidente, tirei meu chinelo e saí correndo gritando pelo seu nome na esperança que me desse um aceno e dissesse: “mamãe, estou aqui.” Não acenou e nem me respondeu, não estava mais entre nós. Sim, a foto do caminhão que minha irmã havia me enviado era do caminhão que colidiu com o do meu filho. Eu não conseguia acreditar, ficava repetindo: “pedi a ele para não ser caminhoneiro, ele não me obedeceu.”

Fui à cidade mais próxima escolher a roupa e a urna para meu filho, que disse que voltaria para jantar e faleceu meia hora depois. No dia seguinte, fomos ao velório. Como meu filho estava bonito! Aquela barba cerrada, aqueles lábios grossos, eu passava a mão no rosto dele, mas não conseguia chorar, assim que fecharam a urna eu disse para o meu marido: “eu gerei, criei, eduquei, mas enterrar meu filho eu não vou.”

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“Ah, como eu chorava, que saudade! Uma saudade que dói tanto que não tem como explicar.”

Chegando em casa tirei as roupas dele e coloquei em uma bolsa para doar. Joguei os perfumes e cremes que ele tanto gostava, até a roupa de cama que ele havia dormido eu lavei. Eu não queria ficar abraçando aquele travesseiro com o cheiro dele, eu sofreria ainda mais.

Fiquei firme para ajudar minha família, meu marido, meus filhos, mas depois não aguentei mais. Ah, como eu chorava, que saudade! Uma saudade que dói tanto que não tem como explicar.

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“Sinto saudades do seu cheiro, da sua voz, dos seus passos chegando em casa e me chamando.”

Sinto tanta saudade do meu filho caçula! Sinto saudades do seu cheiro, da sua voz, dos seus passos chegando em casa e me chamando. Minha casa ficou cinza, João Paulo era nossa alegria e nossa bagunça. Vivo como estivesse esperando chegar o meu dia.

Eu faço versos para ele e estou tentando fazer uma música. Converso com ele, falo que estou com saudades e que o amarei até o último dia da minha vida. A morte não tem nome, mas a minha saudade se chama João Paulo.”

Autoria: Magda Santos Botelho

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@lacoselutos_

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