Pai e irmã, mexer nessa ferida ainda dói…

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Aline e Livia, irmãs, companheiras de vida. O transplante tão esperado, a esperança de dias sem diálise. O Covid. A despedida. A vida que chega. A mistura de sentimentos. Viver o luto inaugurando a maternidade. A dor, a tristeza, 39 dias depois, a despedida do pai. Não houve tempo para a menina que inaugurava o mundo abraçar o avô e a tia/madrinha, mas é tanto amor, que o nome lembrará da madrinha, Maria Livia. A vida é essa mistura imprevisível, certo mesmo é que amor ultrapassa qualquer fronteira, falar neles, é uma forma de continuar esse amor, uma forma de mantê-los, para sempre, por aqui.
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“O ano de 2020 foi marcado por grandes acontecimentos em nossas vidas e aparentemente seria o melhor ano…”

Sou Aline, irmã de Lívia, falecida em 01/11/2020 e filha de José Airton, falecido em 09/12/2020, 39 dias após a despedida de minha irmã. Após três anos, mexer nessa ferida  ainda dói e escrevo com lágrimas nos olhos, escorrendo pelo rosto. O ano de 2020 foi marcado por grandes acontecimentos em nossas vidas e aparentemente seria o melhor ano…

No dia 03/03/2020 descobri que estava grávida, como Deus foi bom conosco, na nossa primeira tentativa eu já havia engravidado, uma gestação tranquila. No dia 02/09 minha irmã conseguiu fazer o tão esperado transplante duplo de pâncreas e rim, ela era diabética desde os dez anos e há um ano estava em diálise, que ano difícil, muitos acessos perdidos, muitos dias de hospital mas, enfim, a cura havia chegado!

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“O momento era delicado e precisava de cuidados, porém, em 10/10 meu esposo testou positivo e, no dia seguinte, minha irmã também.”

O transplante foi um sucesso, porém estávamos em meio a uma pandemia, COVID 19, até então ninguém em nossa família havia tido COVID, o momento era delicado e precisava de cuidados, porém, em 10/10 meu esposo testou positivo e, no dia seguinte, minha irmã também.

Teve início nosso pesadelo mais uma vez… eu, grávida de 37 semanas, fiquei de repouso porque o bebê não podia nascer seu estivesse com Covid. Minha irmã retornou para São Paulo no mesmo hospital em que havia feito o transplante para tratar a COVID.

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“Eu, aos prantos, atrás do celular, supliquei para ela não me abandonar, porque eu precisava dela…”

No dia 16/10 foi entubada, jamais me esquecerei das últimas mensagens: “Cuida da mãe e do bebê, eu amo vocês!” Perguntei se ela estava com medo, ela me respondeu: “Sim, estou com medo de morrer.” Eu, aos prantos, atrás do celular, supliquei para ela não me abandonar, porque eu precisava dela e seu (a) afilhada também, que eu amava muito e estávamos esperando ela voltar. Não tive mais respostas!

Meu mundo desabou, era difícil acreditar que minha irmã, melhor amiga, madrinha do meu filho (a) estava nessa situação dias antes do nascimento, era um misto de sentimentos no meu coração. Não sabia como lidar. Começamos uma corrente de 24 horas de oração por dia, muitas vezes eu adormecia no meu horário, e me culpava por isso.

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“Cada médico lidava de um jeito, uns davam esperança, outros acabavam com o pouco que tínhamos!”

No dia 22/10 agendamos a cesárea, MARIA ou PEDRO nasceria naquele dia, dois dias antes do aniversário da minha irmã, que completaria 31 anos em 24/10, entubada. Uns dias antes do parto conversei com meu marido e pedi para se chamar Maria Livia, se fosse menina, assim quando minha acordasse adoraria a homenagem, afinal, ela era madrinha da criança, e assim foi…

Nasceu uma linda menina MARIA LIVIA, que por sinal tinha muitas semelhanças com a minha irmã. Que momento mágico, que alegria dar a vida, mas uma parte minha estava “em OFF” não adiantava mandar mensagem, ligar, fazer chamada de vídeo, eu não teria respostas, eram apenas os boletins médicos às 17h, que doloroso. Cada médico lidava de um jeito, uns davam esperança, outros acabavam com o pouco que tínhamos!

No dia 01/11, em um domingo de manhã recebi a ligação do meu cunhado por volta de 7:12 horas, ele sempre me ligava para conversarmos, juro que não passou pela minha cabeça, tinha fé que tudo ia dar certo, mas as palavras mais dolorosas que já ouvi vieram: “Sua irmã não resistiu, ela partiu nessa madrugada…” Minha filha estava no carrinho e minha sogra havia acabado de acordar, eu mão vi mais nada, fui acordar meu marido, não estava acreditando, não podia ser verdade, meu mundo caiu…

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“Foi o momento mais difícil da minha vida, e não pararia por aí… desde então meu pai vinha sofrendo muito, o amor dele pela minha irmã era diferente, eles eram muito próximos…”

Minha irmã partiu aos 31 anos, linda, cheia de vontade de viver, uma guerreira, vítima de COVID pós transplante, teve três paradas cardíacas, foi muito rápido, a médica que deu a notícia noticiou, chorando: “Tentamos de tudo, mas ela estava se despedindo, estava pronta para ir…” Fizemos uma despedida sem velório, apenas um cortejo com louvores e muitos jovens se despedindo dela! A saudade é minha companheira desde então, não há um dia sequer que não me lembre dela, gosto de falar sobre ela, isso a mantém viva dentro de mim…

Foi o momento mais difícil da minha vida, e não pararia por aí… desde então meu pai vinha sofrendo muito, o amor dele pela minha irmã era diferente, eles eram muito próximos, se amavam muito, de uma forma inexplicável! Os dias não eram mais os mesmos, meu pai sempre que podia visitava a neta e choravaaaaa, não conseguia segurá-la no colo (não temos uma foto da netinha com o vovô) ainda estávamos em pandemia e ele morria de medo de passar COVID para a bebê.

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“Ele olhou nos meus olhos e falou: “Seu pai…” no mesmo momento eu disse: “Morreu?” Meu mundo desabou pela segunda vez…”

No dia 09/12/2020 por volta das 19:30 horas, eu senti um vento gelado na sacada. Era verão. Fechei a sacada, meu marido chegou, agachou na minha frente, segurou minhas mãos, e falei: “Nossa que mãos geladas!” Ele olhou nos meus olhos e falou: “Seu pai…” no mesmo momento eu disse: “Morreu?” Ele balançou a cabeça acenando que sim. Meu mundo desabou pela segunda vez, apenas 39 dias após a partida da minha irmã.

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“Mãe, meu pai morreu, não pode ser possível, não é justo…” 

Ajoelhei no chão e comecei a chorar, não era possível, devia ser um pesadelo, eu ia acordar… Mas não, era real, era cruel, mas era real!

Liguei pra minha mãe (eles já eram separados há muitos anos), quando ela atendeu eu disse: “Mãe, meu pai morreu, não pode ser possível, não é justo…” Ela disse do outro lado: “Se aconteceu é porque é possível minha filha, Deus sabe de todas as coisas, estou indo aí ficar com você.” Passei muito mal aquele dia, minha cabeça doía, eu só ficava melhor embaixo do chuveiro.

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“Muitos dizem que o tempo cura, cicatriza, mas eu acho que o tempo nos dá a certeza de que aquela pessoa não voltará, que precisamos nos acostumar.”

Meu pai também havia partido, eu tinha falado com ele de manhã, me disse que estava com uma dorzinha na costela, eu pedi para ir no médico, mas ele não chegou a ir, por volta de 19h, foi ao banheiro com dor de barriga e começou a vomitar sangue, faleceu ali mesmo, sem chance alguma de pedir socorro, de repente!

Posso dizer que nunca imaginei passar por essa situação, em toda minha vida nunca havia perdido ninguém próximo em 34 anos, quando perdi, foi de uma vez, em 39 dias era somente eu e minha mãe! E como viver com essas ausências? Muitos dizem que o tempo cura, cicatriza, mas eu acho que o tempo nos dá a certeza de que aquela pessoa não voltará, que precisamos nos acostumar, por mais difícil que seja.

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“Hoje, mais de três anos depois, ainda sinto como se fosse ontem, penso como seria se não tivesse COVID.”

Eu não sei se vivi o luto, afinal eu tinha uma bebê que dependia de mim. Hoje, mais de três anos depois, ainda sinto como se fosse ontem, penso como seria se não tivesse COVID. Tudo em vão, sei que esse era o tempo deles aqui na terra e o quanto fui privilegiada em viver esses anos com a presença e amor dois!

Para sempre os amarei e os admirarei, e para sempre falarei de vocês. Hoje, minhas filhas Maria Livia, três anos e Clara, de quase dois anos, sabem que temos anjos que cuidam de nós, e que a tia Livia e vovô Airton moram no céu, e com certeza são as estrelas mais brilhantes de toda noite! Amo vocês, sinto muitas saudades!

(Autoria: Aline Rosado)

@aline_rosado

@lacoselutos_

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