Filho, todo dia é um recomeço…

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Liz e João, uma convivência de muito amor, intensa. Não, nem nos piores pesadelos, é possível imaginar a partida de um filho. É tanto amor que você se esquecerá e ao arrumar a mesa se atrapalhará e colocará um prato a mais no lugar que ainda é dele. É tanto amor que você se perguntará “Como eu vou viver agora?” e ouvirá a resposta em seu ouvido “Relaxa mãe, tá tudo bem!”. É tanto amor e tanta saudade que você exercitará, diariamente, uma vida mais leve e muitos “chás pra saudade”, por quem ficou e por quem se foi e estará dentro de você, para sempre.

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“Ah, se no pior dos meus pesadelos, eu imaginasse tudo o que ia acontecer, eu teria deitado com ele na cama só um pouquinho…”

“Sou Liz, mãe do João Victor Comis, meu filho partiu em 14/12/22, aos 21 anos.

Ver um filho partir com tanta energia e vida pela frente é algo que jamais passa pela nossa cabeça, sei que é incontável o número de mães com histórias como a minha, mas vou contar para você, o tamanho da dor é imensurável, é uma dor física, que gela o coração e paralisa.

Ah, se no pior dos meus pesadelos, eu imaginasse tudo o que ia acontecer, eu teria deitado com ele na cama só um pouquinho, dado um abraço bem apertado e um último “cheiro no cangote”, mas a vida é mesmo uma loucura, nunca sabemos se vamos ter outra chance de olhar nos olhos de quem amamos e dizer “Deus te abençoe”, “eu te amo”, “me orgulho de ti”.

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“Me perguntei muitas vezes: como vou viver agora? pela metade? e, ainda em choque, parece que eu ouvia um “relaxa mãe, tá tudo bem!””

Hoje eu me pego refletindo sobre o dia 13/12, o último dia de vida do João, o dia foi pesado, difícil, mas atribui ao cansaço de final de ano, muita correria, mal sabia que no dia seguinte minha vida mudaria para sempre, a procura, a incerteza de não saber o que havia acontecido e finalmente a notícia que não queríamos ouvir.

Penso que meu aprendizado começou naquele instante, ao meio dia do dia 14, me perguntei muitas vezes: como vou viver agora? pela metade? e, ainda em choque, parece que eu ouvia um “relaxa mãe, tá tudo bem!”

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“Nem sei traduzir em palavras a sensação de ver tantas pessoas reunidas para homenagear meu filho e os relatos que ouvi sobre a conduta dele.”

Eu sempre soube que o João era muito comunicativo, alegre, brincalhão e por onde passava deixava sua marca, o que eu nunca imaginei é que amigos de momentos diferentes da vida dele tivessem tanto carinho por aquele menino que era especialista em arrancar um sorriso das pessoas em qualquer situação.

Nem sei traduzir em palavras a sensação de ver tantas pessoas reunidas para homenagear meu filho e os relatos que ouvi sobre a conduta dele, sobre suas atitudes, sobre o quanto era amado e admirado por todos os que estavam ali.

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“Eu pude ver meu filho através dos olhos de todos aqueles que me abraçavam.”

No encerramento das homenagens, quando pedi a palavra e relatei que minha dor era enorme, mas estava tomada por uma felicidade sem explicação por ter recebido tanto carinho, foi porque, naquele dia, eu entendi realmente quem era o João, eu pude ver meu filho através dos olhos de todos aqueles que me abraçavam. Confesso que senti um orgulho enorme, maior do que toda a dor, por ter tido a oportunidade gerar, educar e ser a mãe de um ser humano tão especial.

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“Tem uma frase dele, a maior de todas as lições: “Mãe, o nosso amor precisa ser sempre maior que as nossas diferenças.”

Além de me ensinar a ser mãe, o João me ensinou, e me ensina, tantas coisas, são incontáveis lições sobre superação, resiliência, sobre olhar sempre algo positivo em cada situação, mas tem uma frase dele que eu penso que seja a maior de todas as lições: “Mãe, o nosso amor precisa ser sempre maior que as nossas diferenças.”

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“O João voltava da faculdade por volta da 01:00 e simplesmente se perdeu e caiu em uma valeta com moto e tudo, morreu na hora, a poucos metros de casa.”

Hoje, eu te confesso que a dor, a saudade e o vazio com certeza estão aqui, caminhando lado a lado comigo todos os dias, mas para o sofrimento eu não dou espaço porque meu coração é totalmente preenchido por gratidão. Sou grata por todos os momentos que passamos juntos, por tudo o que superamos e vivemos, sempre de forma intensa, na mesma medida da intensidade que foi a passagem do meu João por essa vida.

O João voltava da faculdade por volta da 01:00 da madrugada e simplesmente se perdeu e caiu em uma valeta com moto e tudo, morreu na hora, o laudo fala em traumatismo craniano. Ele estava a poucos metros de nossa casa. Fomos perceber que ele não havia chegado às 7h00, quando nossa busca começou, ele foi encontrado pela polícia às 11:45.

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“Sinto sua falta em todos os momentos e ainda sinto sua ausência a cada nova experiência que vivo, o amargo da saudade é cada vez mais amargo.”

Faz um ano e três meses que o João partiu. Eu acreditava que com o tempo e as novas experiências vividas, depois de ter passado por todas as datas comemorativas e reuniões de família, tendo colecionado novos momentos para recordar, não sentiria mais sua falta, doce ilusão! Sinto sua falta em todos os momentos e ainda sinto sua ausência a cada nova experiência que vivo, o amargo da saudade é cada vez mais amargo.

Viver, agora, é um exercício diário de resignação, todo dia é um recomeço, respiro fundo e busco na memória as lembranças que tenho dos incontáveis momentos maravilhosos que vivemos juntos e o vazio vai sendo lentamente preenchido, o que era amargo vai ficando doce e se transforma em uma imensa gratidão.

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“A saudade dói, e dói fisicamente, como é complicado conviver com a certeza da falta do abraço e do cheiro do João perto de mim.”

Hoje eu sei o tanto que saudade dói, e dói fisicamente, como é complicado conviver com a certeza da falta do abraço e do cheiro do João perto de mim. Sabe, eu acredito que Deus é maravilhoso, o tempo todo, e que nada nessa vida acontece aleatoriamente.

É incrível como, naqueles dias em que a dor da saudade é quase insuportável, do nada aparece alguém com uma palavra, um gesto, um colo, um abraço e eu recebo, sempre com muito carinho, a minha doce e quentinha xícara de “chá pra saudade”, parece que o próprio João me manda aquele abraço quando eu reclamo da ausência dele.

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“Esvaziar o quarto dele foi algo que eu procrastinei enquanto pude, foi como assumir que é real, ele não vai mais voltar, tornar palpável aquela ausência.”

Já aprendi sobre saudades, sobre angústia, sobre dor da alma, sobre recomeçar, mas confesso que a lição que considero mais importante e estou aprendendo dia a dia é sobre gratidão. As vezes penso que estou meio “fora da casinha”, mas gratidão tem sido um sentimento que me invade constantemente, gratidão por ter tido a oportunidade de ser mãe do João e ter vivido momentos incríveis com ele, gratidão pela família e amigos, pela Mãe Medianeira, gratidão ao João.

O momento de desapegar dos objetos pessoais de alguém que partiu é tranquilo? Com certeza não! Pensar em dar um destino as roupas e objetos pessoais do João foi uma tarefa complicada. Esvaziar o quarto dele foi algo que eu procrastinei enquanto pude, para mim foi como assumir que é real, ele não vai mais voltar, tornar palpável aquela ausência.

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“Escolhemos o dia do aniversário dele para revirar, separar e enviar todas aquelas peças como presentes para quem as recebesse.” 

Escolhemos o dia do aniversário dele para revirar, separar e enviar todas aquelas peças como presentes para quem as recebesse. Passado o processo, doadas as últimas sacolas eu te confesso que consegui chegar a algumas conclusões:

A primeira delas é que o que fizermos com propósito se torna sempre mais fácil e, ao invés de olhar para a dor da ausência que agora se torna mais concreta e definitiva escolhi olhar para o propósito, tornar cada peça de roupa ou objeto que selecionava útil outra vez.

A segunda reflexão é sobre o quanto é importante ter pessoas especiais comigo nessa empreitada e como a família e os amigos podem transformar momentos dolorosos em algo mais leve e tranquilo.

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“Entendi que a saudade ia doer e eu teria ainda um longo caminho de aprendizado para trilhar com essa nova experiência, mas estava pronta para vivê-la.”

Dia desses fui mostrar o quarto do João a duas amigas, nos sentamos um pouco e a conversa logo fluiu sobre a forma como a vida nos prepara para cada desafio. É só prestarmos atenção que podemos perceber nitidamente a forma como somos moldados pelas experiências que se apresentam no dia a dia.

Quando chegou a minha vez de parar e me perguntar “Como eu vou viver agora?” eu escutei nitidamente uma voz em meu ouvido dizendo “Relaxa mãe, tá tudo bem!”, naquele instante eu entendi que a saudade ia doer e eu teria ainda um longo caminho de aprendizado para trilhar com essa nova experiência, mas estava pronta para vivê-la exatamente da forma como ela se apresentou.

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“O que me resta é tornar essa vida sem a presença física dele o mais leve e feliz possível, por mim, pelas pessoas que eu amo e estão aqui e por ele também.”

Muitas vezes sinto uma angústia, um aperto no peito que deve ser saudades do abraço, do beijo, do acordar pela manhã, do churrasco do domingo quando ao arrumar a mesa me atrapalho e coloco um prato a mais naquele lugar que ainda é dele.

É tão estranho lidar com situações sobre as quais não temos controle, não há o que eu possa fazer para trazer o João de volta, a realidade é essa! O que me resta é tornar essa vida sem a presença física dele o mais leve e feliz possível, por mim, pelas pessoas que eu amo e estão aqui e por ele também e, pode acreditar, eu fico repetindo isso, incansavelmente, e em alguns momentos em voz alta até me convencer.”

(Autoria: Liz Andreia Corsini Comis)

@lizcomis

@lacoselutos_

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