Quando um filho se despede, morre uma mãe?

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(Autora: Karina)
A Karina sempre quis ser mãe, a Karina sempre será mãe…ela gerou dois bebês que partiram, essa passagem fará parte de sua vida para sempre, não amanhecerá ou anoitecerá sem que se reconheça como mãe, velará eternamente o sono das suas meninas, cantará cantigas de ninar e arrumará lugares sagrados em sua alma para que elas se acomodem e tenham luz e paz. A Karina sonhou com as filhas por 22 semanas, será mãe eternamente…
“Eu me chamo Karina, sou mãe e sempre quis ser mãe, parei de tomar o anticoncepcional e em dois meses estava grávida. Aqui na Irlanda, onde moro há três anos, o pré-natal pelo sistema público de saúde só começa com doze semanas. Acabei fazendo o primeiro com 6 semanas por conta de um sangramento e, ufa, estava tudo bem. Conseguimos até ver aquele coração minúsculo pulando. Foi uma longa espera até o acompanhamento começar de fato, um dia que jamais esqueceremos. Logo no início do ultrassom, descobrimos que, ao invés de um, teríamos dois bebês, susto e emoção indescritível. Minha gestação era gemelar univitelina, mais tarde, com 16 semanas, conseguimos saber que seriam duas meninas e logo vieram os nomes: mamãe escolheu Julia; papai, Lia. E, assim seguimos, 22 semanas tranquilas, mas, aí, aconteceu algo… No dia 05/11/2019, numa consulta, recebemos a notícia mais terrível das nossas vidas: o coração das nossas filhas tinha parado de bater, havia, sim, um risco do qual tínhamos conhecimento: a síndrome de transfusão feto-fetal, uma complicação comum em gestações gemelares univitelinas, onde há uma discrepância no fluxo sanguíneo dos bebês e o desenvolvimento fica comprometido. Os médicos nos deixaram cientes disso desde o início, mas a diferença entre as meninas nunca tinha ultrapassado os 12%. Segundo eles, a partir de 18% o cenário é considerado de risco e é preciso intervir. Eu me revoltei. Aquilo tudo não fazia sentido. Eu questionava os médicos, eu questionava Deus. Por que? Eu perdi o chão, a dor era insuportável.
Depois de 10 longas semanas, recebemos o resultado da autópsia: a tal síndrome foi apontada como a causa da morte da Julia e da Lia. A diferença entre elas era de 25%. Foi frustrante porque eu nunca tinha passado mal, pelo contrário, sequer tive enjoos. A dor de parir as minhas filhas já sem vida foi estraçalhadora.
Há 6 meses nos tornamos pais de anjos, uma das coisas mais difíceis em ser mãe de anjo é entender que somos mães. Porque, apesar de termos gerado um filho (independentemente do tempo de gestação), somos mães sem um bebê. E a impossibilidade de tocar, cheirar e maternar na fisicalidade pode nos conduzir a um entendimento de que não somos mães. É normal, então, não saber o que responder quando nos perguntam: você tem filhos?

A gente se considera mãe desde o positivo do teste de farmácia, mas a maternidade é uma construção. A barriga vai crescendo e a gente vai se sentindo mais mãe e, na nossa cabeça, a concretude acontece quando parimos. Sabe aquela frase: “Quando nasce um bebê, nasce uma mãe”? Pois é, mas, e quando morre um bebê? Será que morre uma mãe? Em certo sentido, creio que há sim uma morte causada pela dor profunda do filho que se foi, mas, eu me recuso a acreditar que essa mulher não tenha (re) nascido como mãe. Em uma dimensão transcendental, eu vejo essa mulher como uma mãe da vida-morte-vida, porque dar o filho à luz é entregá-lo à luz do mundo com o parto. No caso de um parto com um bebê já sem vida, há também uma entrega. Damos o nosso filho amado à luz dos céus e partimos também, conhecendo a experiência de viver entre a terra e o céu.
Eu sou uma mãe. Uma mãe sem um bebê, sem dois, na verdade. E, apesar de o corpinho das minhas meninas não estarem junto ao meu agora, eu pude vê-las, tocá-las, cheirá-las e dizer o tanto que elas são amadas. Sem dúvida, o resultado disso é eu conseguir falar e escrever sobre elas. E responder “sim, eu tenho duas”, quando me perguntam se tenho filhos.
Não sabemos como vai ser viver sem as nossas filhas, mas buscamos acalento nos ensinamentos mais valiosos que elas deixaram. Com elas, aprendemos que a vida é um sopro, mas que ela guarda em si fragmentos de eternidade que quando aproveitados nos ensinam sobre amor, compaixão, generosidade e fé! Nossas meninas nos fizeram perceber o quanto somos fortes, enquanto pessoas, enquanto família! E o mais lindo de tudo: elas provaram que os filhos são mesmo do mundo, mas que às vezes eles vão direto pro céu, pois são seres de luz tão evoluídos que merecem um outro plano espiritual. Vão em paz, filhas! Aqui ficaremos e amaremos vocês até o último dia de nossas vidas.
Com saudade e muito amor, mamãe e papai.”
Corre pra conhecer a página da Karina:
Instagram: 22_semanas_

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