O Bernardo chegou, junto com ele, uma patologia rara chamada Lisencefalia. No coração de sua mãe uma mistura, a alegria da chegada e o medo da partida, “enquanto outras mães sonhavam e planejavam a festa de primeiro ano de seus filhos, eu imaginava o que eu iria escrever na lápide do meu filho, que eu já sabia que partiria em breve.” Amor de mãe é assim, faz descaso do infinito, do tempo e do espaço. Bernardo fez dez anos, fará trinta e muito mais, independente do tamanho do céu que os separa fisicamente, ele fica. Assim é, assim será. Amor não morre, amor cresce.
“Primeiro, o luto, o amor que dói… Ai, e como doía e ainda dói! A dor, a preocupação, a rejeição, não me permitiam ver quem quer que fosse na minha frente.”
“Bernardo nasceu com uma patologia rara chamada Lisencefalia, que significa “cérebro liso”, ou seja, a falta de sulcos e giros que observamos em um cérebro normal. Esse “defeito” fez com que o meu filho tivesse várias limitações e isso encurtou o tempo de vida dele aqui na Terra. Eu queria mesmo era fazer um resumo da vida do Bernardo, mas hoje vou escrever sobre essa parte da história.
Primeiro, o luto, o amor que dói… Ai, e como doía e ainda dói! A dor, a preocupação, a rejeição, não me permitiam ver quem quer que fosse na minha frente.
O meu filho, aquele com o qual sonhei por toda minha vida, nunca existiu e no seu lugar, veio uma criança cheia de desafios, com os quais nunca sonhei ou quis passar. Não, não era pra ser assim. E agora, o que vai ser dele? O que vai ser de mim? E aquele meu filho que eu tanto queria? Não dá pra trocar???? Não, não dava…
“Sei que é chocante dizer que enquanto outras mães sonhavam e planejavam a festa de primeiro ano de seus filhos, eu imaginava o que eu iria escrever na lápide do meu filho, que eu já sabia que partiria em breve.”
Esse luto foi muito forte. As experiências vividas com outras mães e seus filhos muito se diferenciavam da minha. Sei que é chocante dizer que enquanto outras mães sonhavam e planejavam a festa de primeiro ano de seus filhos, eu imaginava o que eu iria escrever na lápide do meu filho, que eu já sabia que partiria em breve (partiu com dois anos, seis meses e quatorze dias).
Busquei na minha fé em Deus ajuda e consolo. Não tentei aceitar, mas sim, entender. O que hoje, eu faria diferente. Buscaria aceitar e não entender, inclusive hoje eu brinco que não quero mais entender.
“Aprendi que dor não se compara e que cada um tem a sua, desde um adolescente que levou um fora da namorada a um amputado ou alguém que recebeu um diagnóstico de câncer. É a dor deles, é particular.”
Também voltei a trabalhar, fui procurando minha identidade de volta, me separar do meu filho, busquei meu tempo com o “mundo” para poder sair dessa relação mãe-filho muito ligada ainda, muito narcisista… Eu, uma pessoa ligada às artes e sempre muito apaixonada pelo corpo humano e suas fascinantes formas de se articular, que aprecia o que é belo e sempre muito exigente comigo, eu mesma gerei um filho “imperfeito”. Ah se eu pudesse corrigir como fazia com minhas danças…ou reorganizar, montar, recriar, como fazia com a fotografia. Do jeito que eu quero. Nesse caso, não dava.
Aprendi que dor não se compara e que cada um tem a sua, desde um adolescente que levou um fora da namorada a um amputado ou alguém que recebeu um diagnóstico de câncer. É a dor deles, é particular.
“No final das contas, percebemos que não temos o controle, eu não tenho. Podemos ir até certo ponto e fazer nossas escolhas com o que a vida nos traz.”
A sociedade tem um alto padrão para o que é sucesso, para o que é belo e saudável e isso vai sendo enraizado em nós. Eu me sentia então em dívida (como bem colocou minha psicóloga) com a sociedade por ter tido um filho “imperfeito”. Talvez eu ainda sinta que essa dívida não tenha sido quitada.
No final das contas, percebemos que não temos o controle, eu não tenho. Podemos ir até certo ponto e fazer nossas escolhas com o que a vida nos traz. O segredo é a gratidão, é conseguir ver o quanto temos que agradecer por tantas outras coisas maravilhosas em nossas vidas. Sim, no mundo de hoje isso é um exercício contínuo que tenho que fazer. Decidir acreditar! Acreditar que apesar de toda dor, o Deus a quem confiei a minha fé, tem um propósito para todas as coisas.
“Na caminhada da ausência fui aprendendo a lidar com a dor de maneira diferente, no início eu não queria ela ali, incomodava, era uma ferida aberta e o grande desafio era saber que para essa dor não havia cura…”
Uma vez li que a dor tem o poder de libertar, e que ela precisa ser sentida, talvez essa dor que cura fosse para mim. Essa mesma dor que me liberta tem sido parceira diária e tem me feito crescer todos os dias!
Na caminhada da ausência fui aprendendo a lidar com a dor de maneira diferente, no início eu não queria ela ali, incomodava, era uma ferida aberta e o grande desafio era saber que para essa dor não havia cura, não havia remédio, então dia após dia, um pé depois do outro, fui aprendendo a conviver com essa dor.
Aprendi até mesmo a amar essa dor, pois ela mantém o Bernardo vivo dentro de mim. Aprendi que apesar de não ter remédio, a dor de não tê-lo aqui é o que o traz para perto de mim. A partir desse entendimento descobri que dói pois quero esse amor aqui dentro enquanto eu viver.
“O Bernardo é a maior certeza de que ainda estou viva, porque dói, eu sinto, porque eu o amo, o amo tanto que faço da dor meu ponto de recomeço, porque esse amor me dá sentido, faz sentido e é sentido!”
Talvez escrevendo assim poeticamente pareça que minha caminhada tenha ficado mais fácil. Te juro que não! Existem dias que a sensação é de que fui devastada e que não resta nada dentro de mim além da dor e é isso que me mantém forte. Tem dias que foge da minha compreensão eu não ter o Bernardo mais aqui e nesses dias eu agarro essa dor, busco nossas lembranças nas fotos, nas nossas memórias juntos e deixo sua ausência ser a coisa mais importante da minha vida, faço uma longa pausa, respeitando profundamente o que sinto. Fico “de mal” com a vida, faço perguntas, choro igual criança e depois desse tempo cultuando esse sentimento eu me olho e vejo o quanto a vida do Bernardo, a sua história e até mesmo a sua falta me preenchem, o Bernardo é a maior certeza de que ainda estou viva, porque dói, eu sinto, porque eu o amo, o amo tanto que faço da dor meu ponto de recomeço, porque esse amor me dá sentido, faz sentido e é sentido!
A dor/O amor, são partes do Bernardo em mim, é a minha essência, é tudo o que sou!
“E mesmo sem entender os propósitos divinos eu sou imensamente grata por cada dia que vivi ao lado do Bernardo e por todo amor que ele me deixou.”
O Bernardo cumpriu a missão dele, ele foi perfeito dentro de todas as suas impossibilidades, me ensinou e continua a me ensinar mesmo não estando mais aqui fisicamente. E o amor que ainda nos liga tão profundamente me mostra caminhos no meu coração que eu jamais imaginei trilhar. O amor que ele me disse sem mesmo nunca ter podido dizer uma única palavra.
E mesmo sem entender os propósitos divinos eu sou imensamente grata por cada dia que vivi ao lado do Bernardo e por todo amor que ele me deixou. Me arrependo somente não ter estado ao seu lado no momento em que partiu.
“Abri os meus olhos e despertei, sonhei acordada, imaginei cada detalhe de como seria seu aniversário de 9 anos e morri de saudades dos seus olhos que me diziam em silêncio do seu amor.”
Dia 02 de cada janeiro e, desde 2012, há dez anos o dia 02 de todos os meses são seus, filho.
Fechei os olhos hoje e vi você chegando pra sua festinha, camisa polo, de cor azul com listas e bermuda branca, notei que usava um relógio novo, e estava todo feliz.
A casa não estava cheia, mas estavam todos que você mais amou ali ao seu redor.
O bolo tinha recheio de Danoninho e o tema da festa não era de ursos, contrariando a minha vontade e cedendo a sua nova paixão por planetas, astronautas e foguetes, fizemos uma decoração massa!
Cantamos os parabéns e na hora de apagar as velinhas sua prima Charlotte chorou porque queria ela assoprar. Todos rimos e você gentilmente sussurrou seu desejo de aniversário no ouvido dela e a deixou soprar suas velinhas. Suspirei orgulhosa do rapaz gentil que estava se tornando.
Cortei o primeiro pedaço para que você escolhesse para quem iria dar e pra surpresa de zero pessoas, você me escolheu, me entregou o bolo, sujou a ponta do meu nariz de glacê, segurou forte com as duas mãos as minhas bochechas, olhou em meus olhos e disse: “Eu te amo mais que o mundo inteirinho, mamãe.
Abri os meus olhos e despertei, sonhei acordada, imaginei cada detalhe de como seria seu aniversário de nove anos e morri de saudades dos seus olhos que me diziam em silêncio do seu amor. Meu filho amado, só posso agradecer a Deus por ter me permitido conhecer os seus olhos amorosos e gentis, peço que eu me lembre deles enquanto eu tiver vida.
Para o dia de hoje crio novas memórias para nós dois e me permito mais uma vez sentir o amor mais profundo e bonito que eu já conheci.
Mamãe te ama mais que o mundo inteirinho!
Feliz aniversário meu gordinho safado
(Autoria: Bela Oliveira)
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Que dor! Que amor! Que força! Que texto!Bernardo sempre estará vivo!