Gabriela e Pu, como ela, amorosamente, chamava Fernando, seu eterno amor. Estava tudo ali, acontecendo e esperando para acontecer mas, num “dia comum”, uma descarga elétrica e seu amor partiu. Assim é a morte, entra num dia comum, que merecia continuidade e interrompe as esperas. “Um copo amargo que precisamos engolir” mas, para sempre, um lugar de “inspiração”, para as continuidades. O amor? O amor fica. Assim é, assim será, assim merece ser.
“Meu luto chegou no dia 22 de setembro de 2020. Neste dia, sofri um grande golpe da vida, uma rasteira da qual até hoje tento me recuperar.”
Acredito que o luto é a experiência mais intensa que podemos vivenciar. Ele nos desperta inúmeras emoções, em uma intensidade difícil de expressar em palavras.
Meu luto chegou no dia 22 de setembro de 2020. Neste dia, por volta das sete horas da manhã, meu marido e melhor amigo, Fernando, para mim, simplesmente Pu, desencarnou de maneira repentina e trágica, aos 36 anos recém completados. Neste dia, sofri um grande golpe da vida, uma rasteira da qual até hoje tento me recuperar.
“Posso dizer que não há algo mais desesperador do que presenciar a morte de quem amamos sem conseguir prestar ajuda, sem conseguir intervir.”
Era um dia comum, nos preparávamos para o trabalho e algo muito improvável aconteceu: num acidente doméstico, vítima de uma descarga elétrica vinda da cerca da nossa casa, o Pu perdeu a vida. Instantaneamente.
Eu não sei dizer como consegui reunir forças para pedir ajuda. Estávamos somente eu e ele em casa. Posso dizer que não há algo mais desesperador do que presenciar a morte de quem amamos sem conseguir prestar ajuda, sem conseguir intervir. Veio o desespero, a incredulidade, a revolta.
“Puro, verdadeiro, um grande companheiro. Com ele, eu me sentia completa, amada e segura. Com ele, planejei uma vida inteira.”
Tivemos uma história de mais de 17 anos juntos. Ele foi meu primeiro e único namorado, nossa conexão era muito intensa, cheia de cumplicidade, intimidade e amor. Fernando tinha os olhos doces, olhos que transbordavam bondade e compreensão, era uma pessoa muito transparente, de sinceridade desconcertante. Puro, verdadeiro, um grande companheiro. Com ele, eu me sentia completa, amada e segura.
Com ele, planejei uma vida inteira.
Nos conhecemos em 2003, na faculdade e nos casamos em 2013. Ele agrônomo, eu bióloga. Amávamos nossas profissões e compartilhávamos alguns projetos. Nossa casa foi um lar cheio de paz e harmonia e vivíamos juntos com nossos dois gatos. Não tivemos filhos, por opção. Éramos muito, muito felizes! Tínhamos problemas? Claro que sim! Mas tínhamos um ao outro para enfrentá-los.
“A passos lentos, busco refazer a minha vida. Às vezes dizem que sou forte, mas não sou não, apenas não tenho outra opção.”
Nosso programa favorito eram as viagens à praia, quando ele passava horas tomando banho de mar. Tantas memórias construídas, tantas por construir. Hoje sei que nossos planos podem nos guiar, mas nem sempre serão concretizados. Nesse meu caminho pelo luto tenho passado por dias difíceis, mas percebo que o tempo faz as névoas se dissiparem e deixam a situação cada dia mais clara. Enviuvei aos 35 anos e hoje, a passos lentos, busco refazer a minha vida. Às vezes dizem que sou forte, mas não sou não, apenas não tenho outra opção.
Não tenho nenhuma crença e não sei se o Fernando existe em outro lugar, além do meu coração e da minha memória. Só sei que tudo valeu a pena e que se eu pudesse escolher, eu viveria tudo novamente, a ele, devo todo meu amor e gratidão por anos tão felizes, por experiências e aprendizados únicos.
“Sempre digo que a morte de quem amamos é um copo amargo que precisamos engolir todos os dias.”
Ainda ouço sua voz ecoando na minha cabeça, ainda sinto os olhos se encherem repentinamente de lágrimas ao me lembrar do abraço mais gostoso do mundo. Sempre digo que a morte de quem amamos é um copo amargo que precisamos engolir todos os dias.
E assim, vou seguindo os dias, alternando sentimentos, mas com a certeza de que fui privilegiada com um amor intenso e verdadeiro, que segue me preenchendo e guiando.
“Viva a dor, sinta, se permita. E quando for possível, no seu tempo, se inspire no amor que está aí dentro e busque estar bem.”
Se posso dar um conselho a quem está atravessando esse caminho tão dolorido é buscar ajuda: profissional, da família, dos amigos verdadeiros. Viva a dor, sinta, se permita. Temos que sentir para digerir. E quando for possível, no seu tempo, se inspire no amor que está aí dentro e busque estar bem, como quem amamos gostaria de nos ver. Obrigada Pu! Eu te amo eternamente.
Autoria: Gabriela Salvador de Amo
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