Tábata e o amor pelo pai. Um amor que se reinventou no momento mais difícil. Dias e noites, o luto antecipatório, a despedida acontecendo pouco a pouco. As noites na poltrona, a declaração de amor que chega no pedido de um cobertor a mais. A saudade. O sabonete de lavanda, a dádiva da convivência e da aproximação. A memória. Orácio fará morada em muitos lugares dessa saudade que fica. Assim é, assim deve ser, assim merece ser, para sempre.
“Meu pai, infelizmente, era alcoolista, uma doença e, por isso, éramos um pouco mais distantes, sem muito afeto e conversas.”
“Meu nome é Tábata. Meu amado pai, Orácio, partiu em 20/06/22, aos 67 anos, em decorrência de um câncer agressivo no esôfago. Eu, que sou fisioterapeuta, e sempre estudei e atuei na área de oncologia, não conseguia digerir e acreditar que viveria isso em minha família. O diagnóstico tardio veio no dia 14/10/21. Sim, foram apenas e grandes oito meses.
Éramos um quarteto, um time, meus pais, minha irmã e eu. Meu pai, infelizmente, era alcoolista, uma doença e, por isso, éramos um pouco mais distantes, sem muito afeto e conversas. Eu não aceitava a dependência e o fato do alcoolismo tê-lo arrancado de nossa família e transformado em outra pessoa. Eu sabia que um dia o perderíamos, mas achava que seria para o álcool.
“O diagnóstico do câncer veio quando ele já estava internado. Nesses oito meses tivemos uma conexão de uma vida inteira, ele era o pai e eu a filha.”
O diagnóstico do câncer veio quando ele já estava internado, com o quadro não podia mais se alimentar sem engasgar. Foi um choque, meu mundo desabou. Eu sabia que isso poderia ocorrer, mas ter a confirmação foi avassalador. Eu precisava segurar as pontas e ser o apoio da minha família, eu tinha conhecimento pela minha formação e, com isso, achei que seria mais fácil.
Meu pai foi obrigado a parar de beber. Fez uso de sonda. Foi aí que eu conheci meu verdadeiro pai, meu herói, o amor da minha vida, a pessoa mais forte que eu já conheci. Nesses oito meses tivemos uma conexão de uma vida inteira, ele era o pai e eu a filha.
“Filha, tá muito frio hoje, pedi esse cobertor, mas é pra você”. Ali eu entendi, era o jeito dele falar “eu te amo”.
Estive com ele em todas as etapas, desde a primeira quimio, intercorrências, exames, consultas, internações. Eu estava lá, quando o médico disse: “Seu câncer se espalhou para os pulmões, infelizmente não há cura”, nesse dia, apertei as mãos dele, e disse que aqui na terra poderia não haver cura, mas que estávamos juntos, nosso time, e que nossa fé era maior que tudo.
Eu nunca tinha sentido e conhecido esse amor de pai e filha. Ele era um homem trabalhador, nunca faltou um dia ao trabalho e nem deixou nos faltar nada. Era um pouco bravo, mas de coração gigante. Eu não saia de perto dele para nada, fazia questão de dormir com ele, nem que fosse numa poltrona (que por sinal, foi minha cama por dias). Em uma de suas internações, num dia frio, ele pediu mais um cobertor. Fiquei preocupada, ele já estava bem aquecido, pensei que poderia ser febre. Trouxeram e ele me disse: “Filha, tá muito frio hoje, pedi esse cobertor, mas é pra você”. Ali eu entendi, era o jeito dele falar “eu te amo”.
“Eu o acompanhava e via suas perdas, pouco a pouco, um luto antecipatório, dia após dia, ele regredindo. NUNCA perdeu sua força.”
Nós formamos uma dupla incrível, ele me contava seus medos, angústias, tristezas e vontades. Lembro que perguntei: “pai, que animal você gostaria de ser?” Ele respondeu: “um leão”. Compreendi toda a sua garra e coragem. Foram meses de muita dor e sofrimento, meses cruéis, pois eu o acompanhava e via suas perdas, pouco a pouco, um luto antecipatório, dia após dia, ele regredindo.
Ele perdeu sua alimentação, sua fala, sua independência, sua funcionalidade, mas NUNCA perdeu sua força. Dizia: “vou lutar até o fim” e, assim fez, lutou bravamente. Lutava para sair da cama, para a fadiga não dominar, contra os efeitos da quimio, contra a tristeza, contra a constipação recorrente. Lutava com a falta de ar, as tosses e as terríveis dores.
“Nos reunimos de mãos dadas, fizemos uma grande e dolorosa despedida, ele apertou minha mão e descansou.”
Meu pai sempre teve o desejo de morrer em casa, dizia “eu nasci aqui e quero morrer aqui”. Briguei incansavelmente por uma alta para que pudesse realizar seu último desejo. Eu tinha consciência da real situação dele, de sua terminalidade, quando o oncologista que o acompanhava disse: “seu pai está morrendo”, e eu refutei: “é por isso que eu preciso leva-lo para casa, ele não quer morrer aqui”.
No dia 10/06/22, eu o trouxe para casa. Dia 20/06/22 eu entendi que ele precisava partir, mas estava com muito medo, nos reunimos de mãos dadas, fizemos uma grande e dolorosa despedida, ele apertou minha mão e descansou.
“Agora, convivemos com a saudade. Uma dor dilacerante, tem dias em que machuca mais, outros nem tanto, mas todos os dias está presente.”
Agora, convivemos com a saudade. Uma dor dilacerante, tem dias em que machuca mais, outros nem tanto, mas todos os dias está presente. A saudade é a lembrança que fica, o amor que aumenta e as memórias revividas.
Hoje já consigo usar o mesmo sabonete líquido de lavanda que eu usava nele em seus banhos hospitalares, uso diariamente e toda vez que sinto o nosso cheiro, sorrio. Hoje já consigo olhar suas fotos sorrindo e sorrir junto. Antes eu achava que era uma grande injustiça ter descoberto o amor de pai e ele ser arrancado de mim em tão pouco tempo, hoje eu enxergo como uma dádiva, pois eu tive o privilégio de sentir esse amor e vivê-lo.
“Para amenizar a saudade, eu mantenho meu herói vivo dentro de mim. Vivo um dia de cada vez, respeitando minha dor.”
Para amenizar a saudade, eu mantenho meu herói vivo dentro de mim, vou ressignificando a dor em amor. Vivo um dia de cada vez, respeitando minha dor. Toda vez que a tristeza me domina, eu lembro de uma conversa que tive com uma amiga e ela me disse: “Amiga, os milagres acontecem, às vezes, não da maneira como queremos, mas eles acontecem.”
Eu me apego nesse milagre, no milagre da cura que o meu pai teve, pois acredito e creio que hoje ele está curado, sem dor e sofrimento, vivendo e desfrutando da sua vida eterna ao lado do Senhor.
Eu te amo e te amarei para sempre meu herói, meu leão, meu pai…. Até logo!”
Autoria: Tábata Leite Fulep
@tafulep_fisioebiomed
@lacoselutos_
Esses relatos são muito encorajador , posso ter o meu tbm aqui ?
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