Quanto tempo para o amor? Não há, ele acontecerá mesmo quando estiver aquietado, ele acontecerá no perdão que chega, no tempo dado para o abraço, nas despedidas e na saudade. Um pai, que faz você perceber a inauguração do amor, com todas as avenidas que um relacionamento percorre, ainda assim, o amor estará ali… Maria Luísa e seu pai, um amor que acontece na chegada, na permanência e na saudade que fica. Assim é, assim deve ser, assim merece ser, para sempre.
“Desde pequena, meu pai sempre foi meu grande amor. Eu o via como herói. Ele era caminhoneiro e passávamos muito tempo distantes… “
Me chamo Maria Luísa, tenho 26 anos. Sou filha única e me despedi do meu pai em 24/03/21, aos 61 anos. Me apeguei em tudo que pude e desapeguei de inúmeras coisas. A dor é indescritível, mas gostaria de falar sobre o perdão e sobre a experiência que tive antes de perder meu paizinho.
Desde pequena, meu pai sempre foi meu grande amor. Eu o via como herói. Ele era caminhoneiro e passávamos muito tempo distantes… Suas voltas para casa eram como eventos de alegria. Consigo sentir ainda aquele frio na barriga.
“Foram muitas idas e vindas, tentativas de relacionamento, mas o vício da bebida não permitia. Até o dia em que aprendi uma coisa: o perdão é algo libertador.”
Ele era o melhor pai do mundo!! Nossa história foi muito intensa, tinha tudo para ser linda do inicio ao fim, mas foi interrompida pelo vício do alcoolismo. Do meu nascimento até os meus 13 anos, pude desfrutar daquele pai amoroso, amigo, fiel, divertido e maravilho. Dos meus 13 para 23 anos, paramos de nos falar mesmo morando dentro da mesma casa. Perdi meu pai mesmo ele vivo. Perdi meu melhor amigo na fase da vida que mais precisei: adolescência.
Foram muitas idas e vindas, tentativas de relacionamento, mas o vício da bebida não permitia. Entrei em depressão por conta de ter perdido meu grande amor aos 13 anos. Isso me afetou de uma forma inexplicável. Se hoje a depressão ainda é vista com preconceito, há mais de dez anos nem se fala, ainda mais relatada por uma adolescente. Depois de tantas situações, demorei para entender que a mudança na minha família não dependia só de mim. Até o dia em que aprendi uma coisa: o perdão é algo libertador.
“Foi fácil? Não. Foi de um dia para o outro? Não. Demorou, mas fomos reconstruindo esse amor de pai e filha que estava guardado.”
Eu e ele sempre fomos iguais. Orgulhosos e com o temperamento forte. Um esperava a atitude do outro, o perdão do outro. Percebi que não adiantava bater de frente e sim tentar entender os motivos dele e assim fui fazendo.
Aos poucos conseguíamos contato e quando percebi já estava tudo no seu devido lugar. Foi fácil? Não. Foi de um dia para o outro? Não. Demorou, mas fomos reconstruindo esse amor de pai e filha que estava guardado. Passamos os últimos três anos bem e com um amor e carinho maior e melhor do que eu poderia imaginar.
“Se eu falar que passou pela minha cabeça que eu ia perder meu pai para a morte, vou estar mentindo. Na minha cabeça ele ia melhorar.”
Até que ele começou a se sentir mal. Veio a pandemia e papai era daqueles que tinha pavor de médico. Com os hospitais cheios, fomos demorando para ir. Fomos uma vez e nada. Duas e nada. Até que ele foi perdendo muitos quilos em semanas. Quanto mais o tempo passava, mais emagrecia. Descobrimos uma anemia severa.
No primeiro diagnóstico era necessário fazer transfusão mas, na troca de plantão, fomos recomendados a fazer o tratamento em casa. E assim fizemos. Semanalmente íamos no posto para fazer o medicamento, três meses nisso, até ele partir… Se eu falar que passou pela minha cabeça que eu ia perder meu pai para a morte, vou estar mentindo. Na minha cabeça ele ia melhorar.
“A mensagem que gostaria de passar é sobre o tempo, às vezes não conseguimos olhar com carinho para os nossos, até que eles partem e não temos mais tempo.”
Como citei, passamos por incontáveis problemas durante um longo tempo, mas graças a Deus tudo foi esquecido e perdoado… Nós dois precisávamos desse perdão. Não precisei perdê-lo para entender que ele era meu pai. Que ele era o meu amor. Amei e cuidei até o último minuto. Ouvi do médico a pior notícia que um filho pode receber. Mas sou grata a Deus por ter desfrutado desse grande amor em vida. Ele realmente foi meu herói e meu bandido.
Por fim, ainda é difícil falar e nem sei se vai conseguir entender. Mas a mensagem que gostaria de passar é sobre o tempo, às vezes não conseguimos olhar com carinho para os nossos, até que eles partem e não temos mais tempo. O tempo é hoje, agora. Parece clichê, mas Deus me deu essa oportunidade que muitos não tem! Ele se foi, mas nosso amor está guardado em minha mente e em meu coração.
“A Maria Luísa, filha e humana não entende, acha que o tempo ainda foi pouco. Mas a Maria Luísa cristã, enxerga como uma oportunidade que Deus nos deu.”
Me conforta saber que ele se foi sabendo que eu o amava com todo meu coração, assim como eu sei que ele me amava. A Maria Luísa, filha e humana não entende, acha que o tempo ainda foi pouco. Mas a Maria Luísa cristã, enxerga como uma oportunidade que Deus nos deu.
Queria compartilhar a minha história para que servisse de exemplo para muitos filhos e pais (família em geral), que por pouco ou muito não se permitem amar, se doar, dar outra chance. Claro que cada situação é particular, mas o primeiro passo é preciso ser dado para que tudo volte ao seu lugar. Precisamos abrir nosso coração para ouvir, entender, e o principal, perdoar. É preciso dar oportunidade, transformar. Se muitos fazem o bem para pessoas externas, porque não começar por alguém do seu sangue, da sua família? O perdão é uma dádiva. O tempo é curto. A vida é breve.
“Ele foi e será pra sempre meu grande e primeiro amor. Meu pai. Que mesmo com todos os defeitos que ele tinha, foi escolhido para ser o pai da Maria Luísa.”
Eu sinto saudades dele todos os dias da minha vida. Hoje eu sei o que é saudade eterna. Eu ainda choro com dor e não sei quando vai passar. Eu ainda tenho piques de sensações. Mas eu pude desfrutar do melhor.
Hoje o que me consola é saber que nós tivemos tempo para recomeçar, mesmo sabendo que agora eu sigo só. Quer dizer, sigo com minha mãe. Mas me refiro a ele. Ele foi e será pra sempre meu grande e primeiro amor. Meu pai. Que mesmo com todos os defeitos que ele tinha, foi escolhido para ser o pai da Maria Luísa. Assim como eu, mesmo com todos os meus defeitos, fui feita pra ser filha do Reinaldo.
(Autoria: Maria Luísa Gomes)
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